Cultura

“Cultura do Vale do Jequitinhonha está sendo derrotada pelos governos”

Luciano Tanure, jovem e talentoso músico de Araçuaí (MG), expõe falta de apoio

“Cultura do Vale do Jequitinhonha está sendo derrotada pelos governos”
“Cultura do Vale do Jequitinhonha está sendo derrotada pelos governos”
Foto de lavadeiras no Rio Jequitinhonha, uma tradição na região, de Ivo Ribeiro/Pixa Bay
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“Vivemos em um período perturbador para a cultura local pela massificação da grande mídia. Você não vê as Lavadeiras de Almenara no Domingão do Faustão”.

O cantor, compositor e violonista Luciano Tanure mostra preocupação com os caminhos da cultura e a influência disso no Vale do Jequitinhonha, na condição do mais jovem expoente da música surgido na região conhecida pela riqueza de suas tradições.

As Lavandeiras de Almenara, com suas cantigas aprendidas às margens do rio, é apenas uma delas. “A cultura local está sendo derrotada pela grande mídia e pelos governos que não valorizam a história de todo um povo. O Brasil está voltando a ser regido por líderes que nem sequer conhecem a história e realidade cultural de cada estado e suas regiões. Este descaso gera muita ira e angústia, aí fica difícil falar sobre, sem atingir diretamente esta síndrome fascista”.

Luciano Tanure, 32 anos, foi vencedor de vários concursos de música da região nos anos recentes com canções e arranjos, como o Festival da Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha, o Festivale (inclusive em 2020, ele alcançou pela terceira vez o primeiro lugar como melhor canção do ano), há décadas realizado e responsável por projetar a maioria dos artistas locais.

Encontros desse tipo são momentos excepcionais para se ter um panorama da produção regional brasileira. E a música de Luciano revela traços do cancioneiro interiorano e tradicional bastante expressivo.

“Vivo nos palcos de festivais, pesquiso e me inscrevo nos incentivos governamentais que estão cada vez mais raros”, diz o músico. Ele conta ter sorte de ter nascido no município o qual a gestão pública tem preocupação com a memória e os grupos folclóricos.

Pedra Azul

Ele é de Araçuaí, uma das principais cidades do Vale do Jequitinhonha ao lado de Diamantina, Almenara (origem das lavadeiras já citadas), Capelinha e Pedra Azul. São lugares onde a muito custo espaços, feiras, museus e oficinas tentam manter vivas a cultura regional.

Pedra Azul é terra de duas figuras de expressão na cultura nacional: o cantor e compositor Paulinho Pedra Azul e o humorista Saulo Laranjeira. Com ambos o violonista já desenvolveu projeto.

Luciano conheceu Paulinho num dos festivais que ganhou, há quase 10 anos. De uns tempos para cá eles fizeram várias parcerias musicais. “Além de ser uma grande influência musical para mim, é um ótimo amigo”.

Já Saulo Laranjeira, um defensor das tradições do Vale do Jequitinhonha, Luciano já subiu ao palco com ele para dois shows esse ano. “Um ser humano preocupado com as suas raízes”.

O músico lembra também do magistral violeiro Rubinho do Vale, do município próximo de Rubim, com quem toda vez que Luciano conversa, a frase “aquele nosso projeto tem que sair” é citada. “Quando essa crise terrível passar, vai sair”, garante mais uma vez.

“Eu acordava todos os dias com a voz da minha mãe cantarolando, meu pai tocando violão. As lavadeiras que cantavam ao ritmo do bater das roupas nas pedras do Rio Araçuaí. Ligar o rádio e ouvir aos domingos o programa Canta Minas de Tadeu Oliveira de Capelinha, e a Rádio Bom Sucesso com Adão Domingos de Minas Novas”, rememora.

Álbum solo

O Carta de Canoeiro (2014) foi o primeiro álbum solo lançado por Luciano Tanure. O trabalho dialoga profundamente com os artistas populares. Do final do ano passado até o início deste ano, ele vinha trabalhando em um projeto chamado O Vale e um Poeta.

Segundo Luciano, este projeto reúne álbum e show que seria um mergulho nos cantos de domínio público resgatados no local, misturando com trabalho autoral e uma breve passagem pelos compositores que o influenciaram na música regional do Vale do Jequitinhonha.

Este último projeto o músico chegou a ir ao palco com ele, mas o “descaso cultural e a pandemia” adiaram as apresentações. Com relação à pandemia, houve cancelamento geral de atividades com aglomerações, coma a 37° edição do Festivale, que aconteceria em julho.

“Vamos fazendo o que podemos para aliviar esta angústia com algumas das chamadas lives. Paralelamente a isto, participaremos de alguns festivais virtuais que estão acontecendo por todo país”, finaliza.

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