Cultura
Cozinha do bairro
Nada como poder contar com um bom açougue, um lugar para comprar boa verdura e frutas frescas


Há meses comecei a trabalhar em outro local: em casa. Benefícios imediatos: duas horas, no mínimo, a mais no meu dia produtivo.
Em dias de tráfego ridículo, que tem sido a regra na cidade de São Paulo, esse ganho pula para três horas e pedrada. Faço minhas refeições por aqui mesmo. E isso traduzido em números é coisa que chega pertinho dos mil reais por mês. Uns 50 mangos por dia pra comer de forma perigosa x 5 x 4. E tinha mês que a conta subia muito. E tinha mês que minha azia aumentava muito. E tinha mês que eu ficava profundamente indignado e levava para a firma papinha de bebê, atum ou sardinha em lata, arroz integral, e comia na frente do computador, entristecido, sem prestar atenção em nenhum sabor.
Agora são bifes, picadinhos, assados, verduras, feijões, bons peixinhos, saladas fartas e boas frutas. E a conta tem sido infinitamente menor.
Outro aspecto de enorme sabor é poder ir comprar alguns itens que poderão se transformar no almoço ou mesmo no jantar. Eu moro em Higienópolis, que é um bairro excepcional, claro que em dias de jogo do Corinthians ele vira um lixo. Um bairro que tem bom local para comprar uma verdura, um bom açougue e por aí vamos.
E como é bom poder fazer uma pausa no dia, sair para esticar a perna, alongar o cérebro e encontrar um maracujá de fotografia na frutaria. Além dele, um cacho de bananas-maçã pronto para ser comido. Sobre bananas, minha vó e sua irmã e, por conseguinte, minha mãe, usavam um substantivo para adjetivá-las. Estando a banana muito boa, diziam: está um pudim.
Em igual medida, quando meu caminho me conduz ao açougue, trago alguns bifes de contrafilé, um pedaço bonitão de músculo ou o que estiver saltando aos olhos. Outras medidas, resumindo. Medidas humanas com um tempo pra lá de decente.
Imagino quantas pessoas, hoje, podem escolher seu bife. Carro/caminhãozinho de frutas, os que anunciam pelo microfone os morangos de Valinhos. Por aqui tem um que passa. Chegou a ter vaga fixa, mas acredito que havia prometido construir um velódromo para a prefeitura, não cumpriu e foi obrigado a se retirar. Restaram alguns que passam. Hoje foram quatro caixas de morangos por 5 reais. Tente se lembrar disso quando for pedir morangos em um restaurante.
Uma parte deles virou suco. E outra pequena quantidade vai entrar em um risotto. Sim, o risotto alle fragole é um prato da cozinha clássica italiana. Nada complicado prepará-lo. Refogar cebola, ajuntar o arroz de risotto, tostar, acrescentar um vinho bom, branco ou rosé, com ou sem espuma, e, na sequência, o caldo. Você vai encontrar receitas sugerindo o caldo de vegetais e, em outras, o de carne. Eu prefiro o de carne, mas digo a verdade, nunca fiz a comparação correta: uma garfada em um e em outro.
Os morangos entram quase no final, quase feitos em purê, juntamente com um pouco de creme de leite. Outra possibilidade: refogar esse morango na manteiga à parte antes de juntá-lo ao arroz. E, por fim, a mais radical das sugestões vem de uma coleção fartamente recomendada por mim neste refogado: A Verdadeira Cozinha Italiana.
Nela, a base do risotto de camarão deve ser feita com miolos de boi refogados na cebola. Que viagem, diria eu. Nada que não tenha sido o acaso ou mesmo a necessidade pode ter levado uma pessoa a pensar em juntar miolos e morangos.
O resultado tampouco posso dar a vocês. Já fiz essa receita alguma vezes, mas jamais pensei em aceitar que os miolos estivessem na base, ainda que eu adore esse miúdo.
E, para terminar a receita, no final de tudo entra mais um pouco de manteiga e uma boa chuva, chuva pesada, de parmesão. Prefira sempre o italiano. Por enquanto, a indústria brasileira está se aperfeiçoando em embalagens. Algumas chegam a enganar. E é provável que essa tenha sido a conclusão a que os fabricantes de queijo chegaram em seu último encontro: vamos focar na embalagem porque no conteúdo, seguindo as leis brasileiras, fica difícil chegarmos a um resultado ainda que medíocre.
Há meses comecei a trabalhar em outro local: em casa. Benefícios imediatos: duas horas, no mínimo, a mais no meu dia produtivo.
Em dias de tráfego ridículo, que tem sido a regra na cidade de São Paulo, esse ganho pula para três horas e pedrada. Faço minhas refeições por aqui mesmo. E isso traduzido em números é coisa que chega pertinho dos mil reais por mês. Uns 50 mangos por dia pra comer de forma perigosa x 5 x 4. E tinha mês que a conta subia muito. E tinha mês que minha azia aumentava muito. E tinha mês que eu ficava profundamente indignado e levava para a firma papinha de bebê, atum ou sardinha em lata, arroz integral, e comia na frente do computador, entristecido, sem prestar atenção em nenhum sabor.
Agora são bifes, picadinhos, assados, verduras, feijões, bons peixinhos, saladas fartas e boas frutas. E a conta tem sido infinitamente menor.
Outro aspecto de enorme sabor é poder ir comprar alguns itens que poderão se transformar no almoço ou mesmo no jantar. Eu moro em Higienópolis, que é um bairro excepcional, claro que em dias de jogo do Corinthians ele vira um lixo. Um bairro que tem bom local para comprar uma verdura, um bom açougue e por aí vamos.
E como é bom poder fazer uma pausa no dia, sair para esticar a perna, alongar o cérebro e encontrar um maracujá de fotografia na frutaria. Além dele, um cacho de bananas-maçã pronto para ser comido. Sobre bananas, minha vó e sua irmã e, por conseguinte, minha mãe, usavam um substantivo para adjetivá-las. Estando a banana muito boa, diziam: está um pudim.
Em igual medida, quando meu caminho me conduz ao açougue, trago alguns bifes de contrafilé, um pedaço bonitão de músculo ou o que estiver saltando aos olhos. Outras medidas, resumindo. Medidas humanas com um tempo pra lá de decente.
Imagino quantas pessoas, hoje, podem escolher seu bife. Carro/caminhãozinho de frutas, os que anunciam pelo microfone os morangos de Valinhos. Por aqui tem um que passa. Chegou a ter vaga fixa, mas acredito que havia prometido construir um velódromo para a prefeitura, não cumpriu e foi obrigado a se retirar. Restaram alguns que passam. Hoje foram quatro caixas de morangos por 5 reais. Tente se lembrar disso quando for pedir morangos em um restaurante.
Uma parte deles virou suco. E outra pequena quantidade vai entrar em um risotto. Sim, o risotto alle fragole é um prato da cozinha clássica italiana. Nada complicado prepará-lo. Refogar cebola, ajuntar o arroz de risotto, tostar, acrescentar um vinho bom, branco ou rosé, com ou sem espuma, e, na sequência, o caldo. Você vai encontrar receitas sugerindo o caldo de vegetais e, em outras, o de carne. Eu prefiro o de carne, mas digo a verdade, nunca fiz a comparação correta: uma garfada em um e em outro.
Os morangos entram quase no final, quase feitos em purê, juntamente com um pouco de creme de leite. Outra possibilidade: refogar esse morango na manteiga à parte antes de juntá-lo ao arroz. E, por fim, a mais radical das sugestões vem de uma coleção fartamente recomendada por mim neste refogado: A Verdadeira Cozinha Italiana.
Nela, a base do risotto de camarão deve ser feita com miolos de boi refogados na cebola. Que viagem, diria eu. Nada que não tenha sido o acaso ou mesmo a necessidade pode ter levado uma pessoa a pensar em juntar miolos e morangos.
O resultado tampouco posso dar a vocês. Já fiz essa receita alguma vezes, mas jamais pensei em aceitar que os miolos estivessem na base, ainda que eu adore esse miúdo.
E, para terminar a receita, no final de tudo entra mais um pouco de manteiga e uma boa chuva, chuva pesada, de parmesão. Prefira sempre o italiano. Por enquanto, a indústria brasileira está se aperfeiçoando em embalagens. Algumas chegam a enganar. E é provável que essa tenha sido a conclusão a que os fabricantes de queijo chegaram em seu último encontro: vamos focar na embalagem porque no conteúdo, seguindo as leis brasileiras, fica difícil chegarmos a um resultado ainda que medíocre.
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