Cultura

Covid-19 deixa cicatrizes expostas no meio musical

Músicos vendem instrumentos, fazem campanha virtual e até deixam o país

Ramo da música sofre impactos com a pandemia. Foto: Freepik.com
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Nas primeiras semanas de imposição do isolamento social para conter a pandemia do novo coronavírus no país, já se observava nas redes sociais os primeiros sinais de dificuldades financeiras de músicos por não conseguir trabalhar nem numa mísera apresentação a base de couvert artístico em um bar da esquina.

A maioria deles percebia que fazer live nas redes sociais não colocaria arroz e feijão na mesa, mesmo com chapéu virtual durante a apresentação na internet, já que o espectador-internauta também vive restrição financeira.

Alguns então começaram a colocar à venda seus instrumentos musicais, por meio de rifas ou mesmo oferecendo diretamente a interessados. Com isso, poderia levantar algum dinheiro à sobrevivência, mas se desfazia de seu principal objeto de trabalho.

Esse cenário inicialmente estava restrito a músicos semiprofissionais ou ainda de carreira a consolidar-se, e com coragem de expor nas redes sociais suas inquietações com a dura realidade.

Até que o violonista, diretor, arranjador e estudioso da música brasileira Luís Filipe de Lima, com vasta e sólida carreira, em um texto publicado nas redes sociais, no dia de seu aniversário de 53 anos (24 de maio), revelou suas dificuldades financeiras e anunciou seu violão de sete cordas por R$ 12 mil, seu companheiro de décadas. O assunto ganhou a imprensa.

Dias depois, foi aberto uma campanha de arrecadação virtual para ajudá-lo. O dinheiro reunido foi além do valor proposto por Luís Filipe para vender seu instrumento de trabalho para saldar dívidas, contraídas nos últimos anos de poucos projetos musicais e a falta de perspectivas de pagá-las com a pandemia.

Foi o início do fogo no rastilho de pólvora. Outra figura, dessa vez conhecida além do meio musical, surge publicamente com dificuldades por conta do cancelamento da agenda de shows com o isolamento social imposto.

Nelson Sargento, 95 anos, personagem histórico do samba, também pede ajuda nas redes sociais. E nova campanha de arrecadação virtual é criada par mostrar que o samba “Agoniza, mas não morre”.

Saída pelo aeroporto

A cantora Aline Calixto, com cinco álbuns lançados, no dia 3 de junho, anunciou em sua página na rede social que estava deixando o país. Casada com francês e mãe de filho de menos de um ano de vida, escreveu sobre a preocupação com a falta de perspectiva na música e o fato do marido ter sido dispensado do trabalho.

Assim, dois dias depois desse texto embarcou à França, prometendo não deixar seus projetos aqui. “Manterei minha carreira dividida entre os dois continentes”, disse.

Aline Calixto, radicada em Belo Horizonte, é uma das poucas vozes do meio artístico a se posicionar contra o sucateamento e perseguição à cultura desde o golpe contra Dilma, em 2016. Participou ainda das manifestações de “Lula Livre”.

O fato é que o auxílio emergencial que alguns artistas conseguiram receber foi até um alento, mas a situação mostra-se grave a médio e longo prazo, principalmente por que a atividade musical tem projeção de ser uma das últimas a retornar pós-pandemia.

A apresentação musical é sinônimo de aglomeração, o que mais as autoridades de saúde pedem para não se fazer para evitar a propagação da covid-19.

Lei Aldir Blanc

O projeto de lei que libera 3 bilhões de reais, aprovado dias atrás, em auxílio financeiro a artistas e estabelecimentos culturais durante a pandemia, foi à sanção de um presidente absolutamente avesso à cultura.

A chamada Lei Aldir Blanc promete repassar o recurso a estados e municípios, para aplicar em caráter emergencial para os trabalhadores do setor (cita-se que o setor musical, especificamente, não é só feito de artistas e instrumentistas, mas também de produtores e enorme lista de profissionais de apoio) e subsídios para manutenção de espaços culturais, fomento a projetos e linha de crédito.

Aldir Blanc foi o primeiro nome conhecido além do meio musical (sem contar a sua relevância imensurável) a ser vitimado pelo coronavírus. Mas outros músicos se foram nesse período por conta da pandemia aqui no Brasil.

O compositor, cantor e violonista cearense Evaldo Gouveia, 91 anos, muito gravado pela velha guarda da MPB, foi um deles. Mais um que partiu, com o óbito apontando morte por coronavírus, foi compositor portelense David Corrêa, 82 anos, autor de sambas antológicos.

 

Carlos José, 85 anos, seresteiro de sucesso nas décadas de 1960 e 70, morreu também vítima da covid-19. Ciro Pessoa, 62 anos, que integrou o Titãs em sua primeira formação, tratava de um câncer e se foi após contrair o coronavírus.

Um dos primeiros do meio musical no Brasil a ter morte anunciada por coronavírus foram os maestros Martinho Lutero Galati, 66 anos, e Naomi Munakata, 64 anos, japonesa radicada em São Paulo.

Há outros músicos de expressão local em todo o país que infelizmente faleceram de covida-19, e existem relatos também de mortes por conta da pandemia de membros de agremiações de manifestação popular, principalmente em escolas de samba, em geral localizadas em áreas de alta incidência de casos de coronavírus.

O quadro parece dramático, mas as perspectivas da música não são boas até o primeiro semestre de 2021, apesar das animadas lives que têm acontecido diariamente nas redes sociais.

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