Cultura

Coutinho: um pessimista que não deixou de resistir

Colega do documentarista assassinado, cineasta define sua obra como uma crítica ao modo como as pessoas comuns são mostradas na tevê

Trecho do filme Edifício Master, de Eduardo Coutinho
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Assassinado de maneira trágica no início da semana, Eduardo Coutinho é celebrado como um cineasta que, acima de tudo, era capaz de extrair dos anônimos presentes em seus documentários a força de um simples depoimento, de uma conversa. O centro de sua obra girava em torno dessa premissa. Tanto que, a partir de Santo Forte, Coutinho deixou de cobrir o rosto das personagens com imagens ilustrativas. “Ele radicalizou essa postura, que é ética e estética, até o último filme que fez”, afirma a cineasta Consuelo da Luz Lins, que trabalhou ao lado de Coutinho em Babilônia 2000 e Edifício Master em entrevista a CartaCapital.

“O cinema dele, entre tantas qualidades, nos mostrou que um personagem que fala pode ser um ‘bloco audiovisual’ esplêndido, cheio de nuanças, de relevos, de texturas. Os movimentos do rosto são repletos de não-ditos, ironias, tristezas escondidas, sentimentos inconscientes.”

A palavra era mais que um instrumento de trabalho para Coutinho. Para Lins, quando ele falava, era possível captar um “pensamento em ato”. Ela lembra que, todas as vezes em que saíam para jantar, o cineasta costumava chegar reclamando que estava mal da saúde. Recorrentemente reclamava do cigarro. “Mas rapidamente ele retomava forças nas conversas.  A fala era um mecanismo que o fazia ‘voltar a funcionar’. E ele de fato ouvia quem estava ao lado dele, se interessava efetivamente pelo estado do mundo.”

Segundo o próprio Coutinho afirmou em entrevista à revista de cinema Contracampo, foi de Consuelo a ideia de fazer um filme sobre moradores de um prédio em Copacabana, projeto que mais tarde se tornou o premiado documentário Edifício Master.

“Já havia trabalhado com Coutinho em Babilônia 2000. Foram duas experiências intensas e muito diferentes”, lembrou Lins. “No morro da Babilônia havia personagens que misturam uma energia incrível de vida a uma potência narrativa excepcional. No Master, era muito diferente. Os personagens tinham menos força e, inicialmente, nas duas primeiras semanas, Coutinho achou que não tinha filme ali.”

A autora do livro “O documentário de Eduardo Coutinho: Cinema, televisão e vídeo” lembra do diretor como um leitor inveterado, que consumia diariamente jornais, romances, filosofia e sociologia. Tinha uma lucidez aguda sobre a realidade que o cercava. Era rápido para construir análises e estava sempre aberto a novas ideias e críticas. “Ele era, como Walter Benjamin, seu autor de toda a vida: melancólico diante do estado do mundo, um pessimista-otimista que apesar de tudo e de todas as dificuldades, nunca deixou de criar e resistir.”

Era, conta a amiga, inteligente e, ao seu modo, bem humorado. Lins afirma que Coutinho tinha a “percepção mais sutil e complexa” sobre o funcionamento da mídia no Brasil. “Todo o seu trabalho é uma crítica profunda ao funcionamento do telejornalismo, ao modo como as pessoas comuns e os acontecimentos são mostradas na televisão.”

A cineasta destaca o filme Um dia na Vida, de 2010, documentário que mostra imagens da tevê aberta gravadas por 24 horas e editadas por Coutinho. Proibido, o filme nunca foi lançado nos cinemas por causa de direitos autorais e de imagem.

“Este é o ponto mais alto dessa reflexão. É um filme-manifesto, um filme-provocação.” “Ele nunca deixou de nos dizer quão fundamental é pensar não apenas as imagens ‘nobres’, as imagens do cinema que amamos, mas também o que nos cerca, nos constitui e que muitas vezes preferimos não pensar nem analisar.”

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