Cultura
Coronavírus trará impacto forte aos artistas, diz coordenador do Pró-Música
Felipe Radicetti afirma que medidas são necessárias, mas vê vida difícil aos músicos


Coordenador do Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, o compositor, organista e mestre em música e educação Felipe Radicetti diz que as medidas tomadas de isolamento domiciliar para o controle da disseminação do Convid-19 “são absolutamente necessárias”, mas vê ameaçada a atividade profissional de toda a cadeia produtiva da cultura.
“Nesse quadro, quero destacar o chamado ‘músico da noite’, aquele profissional que atua em bares e restaurantes. Esse tipo de artista ganha um montante que corresponde a uma fração do couvert artístico e depende de cada dia de trabalho para sobreviver. Ele não tem lastro financeiro para suportar um longo período sem trabalho”, diz.
Segundo ele, essa é a principal diferença do músico que tem visibilidade pública. “Todavia, o impacto será duríssimo para todos os extratos de músicos. Os shows estão sendo adiados ou cancelados”.
Sobre alguma ação que poderia ser feita para minimizar o problema, cita alguns artistas que decidiram realizar shows transmitidos pela internet.
“Naturalmente, os shows são inteiramente gratuitos. O artista se mobiliza para ofertar um serviço à sociedade, dedicando o seu trabalho por uma ação cidadã, solidária, para mitigar o isolamento da população”.
Falta de seguridade social
Para ele, a paralisação forçada pela epidemia significa não só o silêncio na cultura, mas a bancarrota, ainda que temporária, para a grande maioria.
“As leis vigentes e políticas públicas governamentais não preveem instrumentos de seguridade social para os artistas, como na Europa. Perdemos algumas chances no passado recente de legislar sobre o seguro-desemprego do artista (trabalho intermitente) que há, por exemplo, na Bélgica e na França. Estamos permanentemente vulneráveis até os ossos”.
Produtores musicais, um elo importante da cadeia da cultura, poderão encontrar ações alternativas e pontuais, mas Radicetti avalia que o “problema é que não sabemos por quanto tempo será preciso paralisar as atividades e, portanto, não há ainda um movimento coletivo por soluções coletivas”.
A política de criminalização da cultura deflagrada no ano passado agrava ainda mais a situação.
“O artista, de uma forma geral, está, como no passado, lançado à condenação moral a priori, caso não se insira na agenda neopentecostal e autoritária de poderes do executivo municipal, estadual e federal. Não apenas isso, o aparelhamento ideológico das instituições que deveriam fomentar a diversidade da cultura brasileira interdita o financiamento de artistas não identificados com essa pauta”.
Radicetti avalia que esse quadro prejudica principalmente artistas com mais idade, que têm de se reinventar ainda mais diante dos novos paradigmas de mercado.
Direito autoral
No Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, criado em 2006, uma das principais pautas junto ao poder público é a luta pela defesa do direito autoral. A Medida Provisória 907 do atual governo federal pretende acabar com a cobrança de direito de autor em quartos de hotéis, barcos e similares.
“Além de contrariar a Lei do Direito Autoral no Brasil, de causar perdas significativas aos autores, fere tratados internacionais dos quais o país é signatário e que irão ocasionar sanções da OMC (Organização Mundial do Comércio). É mais um dos infindáveis golpes a que estamos sujeitos, nos dias de hoje”.
O coordenador do grupo explica que o deslocamento da distribuição de música para o ambiente digital (streaming) reduziu os pagamentos de direitos autorais aos compositores e músicos (direitos conexos) a perto de zero.
“A paralisação forçada as atividades é também a suspensão temporária das ações de resistência cultural que estavam em curso e que vinha tentando apresentar outras narrativas à sociedade. Nesse sentido, será preciso resistir à epidemia, e retornar às ações de guerrilha cultural que nos caracterizam”.
Felipe Radicetti tem se dedicado mais a composição e arranjos atualmente. Em outubro do ano passado, sua cantata A Revolta dos Posseiros para tenor, coro e orquestra teve sua estreia com a Orquestra Filarmônica de Valinhos (SP) e contou com a presença de protagonistas do levante agrário de 1957 ocorrido no Paraná.
Em fevereiro último, Radicetti e a parceira e cantora Marianna Leporace apresentaram a 5ª edição do Show Meu Caro Amigo Chico Buarque no Teatro Rival, no Rio, com cerca de 30 artistas. O projeto nasceu como desagravo à hostilização que sofreu Chico em uma rua do Leblon em 2015. O músico tem também diversos trabalhos musicais para o cinema.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também

São Paulo registra nove mortes por coronavírus; total no País vai a 11
Por CartaCapital
Brasileiro vencedor do Nobel da Paz morre em NY vítima do coronavírus
Por CartaCapital
Casos de coronavírus só devem desacelerar em setembro, diz ministro
Por Victor Ohana
Governo corta Bolsa Família de 158 mil famílias em meio à crise do coronavírus
Por Giovanna Galvani
Coronavírus: casos no País chegam a 806, apontam secretarias de saúde
Por CartaCapital