Cultura

Colheres do passado

Autran Dourado fez sua arte dos fragmentos da infância

Valor intelectual. O escritor, no Rio de Janeiro, em 2006: "Vender livro é um acidente na vida do escritor"
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Ele parecia escrever sempre o mesmo romance. Talvez porque sua vida fosse essencialmente a mesma, transcorrida, é verdade, em lugares diferentes. Waldomiro Freitas Autran Dourado nasceu em Patos de Minas em 1926, com 1 mês de idade estava em Monte Sião, aos 11 anos se mudava para Belo Horizonte e a partir dos 28 aportava no Rio de Janeiro, onde morreria, dia 30 de setembro, de uma hemorragia intestinal, após quatro meses internado por problemas respiratórios. O artista media a vida em colheres do passado. Seus livros desfiavam a memória da língua antiga, da família, da terra, da morte. Sua principal cidade imaginária era Duas Pontes, um tanto parecida com a Monte Sião da infância. Seu narrador dileto, João da Fonseca Ribeiro, tinha algo dele próprio. Seu assunto, a severa intimidade, assemelhava-se ao de William Faulkner.

Foi um dos mais importantes escritores do Brasil, embora a Academia Brasileira de Letras não tenha lhe concedido um assento, no máximo uma menção daquelas prestigiosas, o Prêmio Machado de Assis, em 2008. Para quem ganhara a maior das honrarias da literatura em língua portuguesa, o Camões, oito anos antes, não deixava de ser um reconhecimento que ia tarde.

No Rio, ele começou a trabalhar, secretário de imprensa de Juscelino Kubitschek que foi, entre 1958 e 1961, para esquecer a Minas Gerais de origem. “Esquecer para reencontrar uma coisa que fosse ao mesmo tempo íntima e bem brasileira”, como disse numa entrevista. Seu artesanato se aproximava daquele de Graciliano Ramos, de muito apuro, embora nem sempre caminhasse na direção do dito seco. E os livros muito bons se sucederam. Ele gostava de Ópera dos Mortos, de 1967, por sua qualidade polifônica, o embaralhamento ordenado de enredos e vozes. Dizia preferir Uma Vida em Segredo, de 1964, adaptado ao cinema por Suzana Amaral. Foram 23 livros em torno dos quais exerceu a consciência da escrita. E ainda desenvolveu um ensaio sobre a arte de quem ficcionaliza, Uma Poética do Romance: Matéria de Carpintaria.

“Depois que acabo um livro, até sinto que me realizei, mas, na verdade, não gosto de escrever”, disse em uma ocasião. “Gosto mesmo é de ler.” Eram Faulkner, Machado de Assis, Thomas Mann, José J. Veiga e Rubem Fonseca nas horas solitárias. Os clássicos de sempre, aqueles que, segundo dizia, inovavam mesmo sem o ter pretendido. “Eu não sei qual é o meu leitor e não me submeto à posição de procurá-lo”, fez questão de lembrar. “Vender livro é um acidente na vida de um escritor.” E pensar que hoje se autointitule grande (quiçá maior) intelectual quem, no Brasil, fabrique livros, como ele dizia, em lugar de escrevê-los.

Ele parecia escrever sempre o mesmo romance. Talvez porque sua vida fosse essencialmente a mesma, transcorrida, é verdade, em lugares diferentes. Waldomiro Freitas Autran Dourado nasceu em Patos de Minas em 1926, com 1 mês de idade estava em Monte Sião, aos 11 anos se mudava para Belo Horizonte e a partir dos 28 aportava no Rio de Janeiro, onde morreria, dia 30 de setembro, de uma hemorragia intestinal, após quatro meses internado por problemas respiratórios. O artista media a vida em colheres do passado. Seus livros desfiavam a memória da língua antiga, da família, da terra, da morte. Sua principal cidade imaginária era Duas Pontes, um tanto parecida com a Monte Sião da infância. Seu narrador dileto, João da Fonseca Ribeiro, tinha algo dele próprio. Seu assunto, a severa intimidade, assemelhava-se ao de William Faulkner.

Foi um dos mais importantes escritores do Brasil, embora a Academia Brasileira de Letras não tenha lhe concedido um assento, no máximo uma menção daquelas prestigiosas, o Prêmio Machado de Assis, em 2008. Para quem ganhara a maior das honrarias da literatura em língua portuguesa, o Camões, oito anos antes, não deixava de ser um reconhecimento que ia tarde.

No Rio, ele começou a trabalhar, secretário de imprensa de Juscelino Kubitschek que foi, entre 1958 e 1961, para esquecer a Minas Gerais de origem. “Esquecer para reencontrar uma coisa que fosse ao mesmo tempo íntima e bem brasileira”, como disse numa entrevista. Seu artesanato se aproximava daquele de Graciliano Ramos, de muito apuro, embora nem sempre caminhasse na direção do dito seco. E os livros muito bons se sucederam. Ele gostava de Ópera dos Mortos, de 1967, por sua qualidade polifônica, o embaralhamento ordenado de enredos e vozes. Dizia preferir Uma Vida em Segredo, de 1964, adaptado ao cinema por Suzana Amaral. Foram 23 livros em torno dos quais exerceu a consciência da escrita. E ainda desenvolveu um ensaio sobre a arte de quem ficcionaliza, Uma Poética do Romance: Matéria de Carpintaria.

“Depois que acabo um livro, até sinto que me realizei, mas, na verdade, não gosto de escrever”, disse em uma ocasião. “Gosto mesmo é de ler.” Eram Faulkner, Machado de Assis, Thomas Mann, José J. Veiga e Rubem Fonseca nas horas solitárias. Os clássicos de sempre, aqueles que, segundo dizia, inovavam mesmo sem o ter pretendido. “Eu não sei qual é o meu leitor e não me submeto à posição de procurá-lo”, fez questão de lembrar. “Vender livro é um acidente na vida de um escritor.” E pensar que hoje se autointitule grande (quiçá maior) intelectual quem, no Brasil, fabrique livros, como ele dizia, em lugar de escrevê-los.

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