Cultura

Cobranças de posição de artistas pelo ‘Fora Bolsonaro’ movem o setor cultural

De algumas semanas para cá, aumentou a insatisfação da classe artística e muitos resolveram declarar-se abertamente contra o governo federal

Foto: Elineudo Meira
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Diz-se que cultura vive de aglomeração. Como juntar pessoas é o que menos se pode fazer na pandemia, há de se imaginar o quanto o setor sofreu nesses tempos de Covid-19. A restrita abertura determinada entre as ondas do vírus tem se mostrado insuficiente não somente para quem quer fazer arte, mas para qualquer segmento. A situação é difícil.

Artistas não sabem quando voltam a se apresentar em público como antes. Para os músicos, os shows são quase 100% da renda, já que o recebimento de direitos autorais de plataforma de streaming é considerado ínfimo e tem sido motivo de críticas, inclusive de gente graúda do show business internacional.

Previsões diversas já foram trabalhadas para o retorno aos palcos e público presencial. A última seria agora em setembro, já descartada. É que mesmo alguns governos estaduais propalarem que até lá todos estarão vacinados com a primeira dose, a realidade mostra-se mais complexa. Não adianta no mês citado estarem vacinando jovens de 18 anos, sem a imunidade coletiva alcançada (e não vai alcançar nem de perto, como já se percebeu). Enfim, continuaremos sem poder aglomerar.

A Lei Aldir Blanc de apoio à cultura ajudou muito o meio. Mas o pessoal de peso do setor artístico, aquele influente e de cachês elevados, não usou o benefício – e nem poderia. Com algum fôlego financeiro, boa parte passou recluso, fazendo uma live ou outra patrocinada, lançando projetos, remexendo em outros que estavam parados devido à vida anterior à pandemia, com agenda cheia.

Mas com o tempo viram a crise bater à porta. Antes abertos a ajudar colegas próximos, como técnicos e músicos de banda, se encontraram na encruzilhada a partir da segunda onda da pandemia de que também precisavam trabalhar.

“Vacina para todos e já”

O incômodo aumentou quando se passou a ter certeza da inépcia deliberada do governo federal na imunização da população. O “vacina para todos e já” tomou conta do meio artístico. Os gritos foram ouvidos nas redes sociais.

Em paralelo, sacramentou-se a conduta do governo federal de fomentar apenas projetos de cultura com alinhamento político-ideológico a ele – e será assim até pelo menos dezembro do ano que vem. Em maio, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou até com uma ação civil na Justiça Federal por conta do desmonte promovido por Bolsonaro no setor.

Há segmentos da cultura que apoiam o governo federal. Mas eles por certo se encolheram na mesma proporção da queda de apoio ao presidente indicada nas pesquisas. É um movimento natural de sentimento de desesperança compartilhado com a maioria da população.

Artistas do primeiro escalão que já é conhecido o seu posicionamento político elevaram o tom contra o governo. Esse time, já há anos na labuta, sabe que seu público está na oposição (e integra o grupo do “Somos 70%”). Eles têm clareza que apoiadores do governo atual não os ouvem nem os assistem.

Mas há uma parcela que ainda tem uma mescla de seguidores de todas as vertentes do espectro político, e está sendo cobrada por uma opinião sobre a situação crítica vivida pelo País (a sua audiência heterogênea cria essa condição). Para esses artistas, o posicionamento político pode representar também perda de seguidores na rede social, um dos principais medidores para definir patrocínio – numa pandemia dessas, ninguém quer fechar a porta para um anunciante de shampoo, por exemplo, com gordo cachê.

O problema é que a insatisfação cresceu. Protestos aumentaram nas ruas. Chegou-se a impressionante marca de meio milhão de mortos pelo coronavírus. Para esse que tem fama, resta-lhe lamentar publicamente o cenário preocupante para ele e parte de quem os segue. Quebra-se o silêncio. Demonstração de contrariedade de celebridade costuma reverberar muito.

Para aquela cantora que veio do subúrbio, fez muita fama e ganhou dinheiro, deslumbrou-se, mas não perdeu a capacidade de olhar o seu passado, a sua origem, até porque ela faz parte da estética de seu trabalho, dizer “Fora Bolsonaro” é também a defesa de si mesma e dos seus.

O fato é que o crescimento da manifestação da classe artística sobre o atual governo nada mais é do que um reflexo da sociedade. E a cultura é um dos principais agentes de expressão do sentimento da população.

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