Centenário Cordão da Bola Preta materializa o carnaval de rua do Rio

Livro com histórias da agremiação revela sua identidade com o folião comum

Cordão da Bola Preta. Foto: Hudson Pontes/RioTur

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O Bola Preta não é um bloco conhecido pela presença de personalidades, embora uma ou outra apareça por lá. Nem tampouco vende camarotes e abadás, apesar de ambulantes e barraqueiros improvisarem áreas VIP no seu trajeto a contragosto de muitos.

Mas o seu desfile no centro do Rio de Janeiro no sábado de carnaval materializa a folia de rua, mesmo com o incômodo da superlotação registrada nos últimos anos. Uma conjunção de fatores que levam milhões de foliões ao cortejo do Bola Preta reúne história, afinidade e tradição.

O livro Vem pro Bola, Meu Bem! Crônicas e Histórias do Cordão da Bola Preta (Numa Editora), de André Diniz e Diogo Cunha, que teve segunda edição lançada recentemente, dá a pista para entender tamanha atratividade à agremiação criada no último dia do ano de 1918.

Na obra, acontecimento sobre o cordão é entremeado por textos de personalidades ligadas à cultura carioca sobre sua experiência com a agremiação: Aldir Blanc, Emílio Domingos, Heloisa Seixas, Luiz Antonio Simas, Marcelo Moutinho, Mariana Filgueiras, Marina Iris, Moacyr Luz, Nei Lopes, Pedro Ernesto, Raquel Valença e Alberto Mussa, que faz a apresentação do trabalho.

Como surgiu o nome

A formação do bloco foi partir de outro grupo carnavalesco de vida curta cujo símbolo era um barril de chope com 18 torneiras (uma para cada componente). Mas como se deu o nome?


Grupo que fundou o Cordão da Bola Preta

O livro apresenta várias versões. Algumas delas indicam ser inspiração de moças vestidas de bolas pretas apreciadas pelos fundadores do bloco no seu momento de criação.

Há outra relacionada a jogo onde o preto e branco se fazia presente na bolsa de apostas. E tem uma, em depoimento dado pelo mais importante membro do grupo de criadores da agremiação há mais de um século, o K. Veirinha, aqui transcrita no livro:

“Se originou em razão da condição a que eram submetidos os aspirantes ao serem propostos para o grupo, pois, sendo esse inteiramente fechado, não se admitia novo componente sem que houvesse unanimidade na aceitação. A votação era feita em escrutínio secreto, através de bolas pretas e brancas, bastando apenas uma bola branca para impedir a entrada do novo elemento. Da exigência da unanimidade, surgiu o nome que perdura até hoje”.

O Cordão da Bola Preta começou sua longa trajetória em bailes de salão, só indo à rua a partir de 1933, com o desfile parecido com os de escola de samba da época, com modestos carros alegóricos.

Mais do que o cortejo na via pública, a prática representou ao Bola Preta a construção de uma de suas características: a participação democrática de foliões, quando muitos agrupamentos carnavalescos, desde o século XIX até hoje, são marcados por divisão de classe.

A marcha que embala a agremiação de autoria de Nelson Barbosa e Vicente Paiva, de 1935, surgiu do Bloco da Chupeta, formado por frequentadores do Bola Preta.

A composição tornou-se um clássico carnavalesco, recebendo inúmeras gravações ao longo do tempo: “Quem não chora, não mama! Segura, meu bem, a chupeta / Lugar quente é na cama / Ou então no Bola Preta.”

A obra crava Elizeth Cardoso, frequentadora do bloco, como a intérprete definitiva da inesquecível marcha.

Símbolo da cidade

Em 2008 o Bola Preta perdeu sua imponente sede na rua 13 de Maio fruto de uma dívida impagável, mas deu a volto por cima, principalmente pelo seu papel e relevância no ressurgimento do carnaval de rua do Rio de Janeiro registrado no início dos anos 2000, com resgate de marchinhas e sambas antológicos.

A agremiação mantém estreita relação com a cidade e se tornou patrimônio do lugar mesmo sendo um elemento vivo e não um monumento. A fantasia de seus foliões com bolas pretas estampadas na roupa branca é um marco.


A agremiação foi também propulsora na formação de vários blocos pela cidade, faz parte da lembrança carnavalesca de muita gente e produziu um sem número de personagens característicos ligados à agremiação de alguma forma, alguns mencionados no livro Vem pro Bola, Meu Bem! Crônicas e Histórias do Cordão da Bola Preta.

Tanto André Diniz como Diogo Cunha, autores da obra, são conhecidos no Rio por transitarem entre o samba, o choro e o carnaval. O livro é um mergulho na manifestação popular de rua.

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