Cultura

Carola Saavedra recorre à poesia para lidar com o fim do mundo 

Em sua primeira coletânea de poemas, a autora encontra a forma ideal para abordar o presente pandêmico

A escritora chilena Carola Saavedra (Foto: Luiz Pinto/Divulgação)
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O que leva uma escritora premiada, autora de cinco romances e uma coletânea de contos e outra de ensaios, a lançar um livro de poemas? No caso de Carola Saavedra foi a pandemia. Inicialmente, ela trabalhava num romance sobre o fim do mundo quando tudo começou. De repente, realidade e ficção se confundiram e, em meio à ansiedade e aos medos do isolamento, a prosa já não dava conta de falar do presente. 

“O livro morreu naquele momento, não tinha como seguir em frente”, explica a CartaCapital por videoconferência de Colônia, na Alemanha, onde vive há quatro anos. “Eu percebi que, naquele momento, havia perdido a conexão com a prosa, ela não dava mais conta do que eu queria dizer diante desse mundo acabando.”

A poesia de Saavedra é tão particular quanto sua prosa. Os textos de Um Quarto É Muito Pouco (Quelônio), sua primeira coletânea no gênero, têm tamanhos e formas variadas – alguns, por exemplo, são poemas de só uma linha, quase como um microconto. 

Alguns poemas do livro lidam com questões sociais do presente, como um chamado “Receita”, composto apenas do verso: “Separe o joio do trigo”. uma das coisas que lhe interessa nos poemas, explica a escritora, são os cortes. Terminar de maneira abrupta, de forma que o movimento natural do texto termine na cabeça do leitor. 

Ela não havia planejado fazer um livro de poesia, mas as escrevia porque é o que faz quando está angustiada. “Quando vi, tinha ali uma coletânea, mostrei para pessoas de confiança, e me incentivaram a publicar”. 

Professora e pesquisadora no Instituto Luso-Brasileiro da Universidade de Colônia, a escritora trabalha com a literatura dos povos originários. Recentemente, durante uma passagem pelo Brasil, se surpreendeu com o número de livrarias que surgiram em São Paulo e com a proeminência da literatura brasileira contemporânea nessas novas lojas. 

As minorias que pouco tinham espaço ou eram publicadas, celebra, agora estão em destaque – lidas, debatidas, inclusive no ambiente acadêmico. “Diz-se muito que ‘todas as histórias já foram contadas’, mas as histórias de quem? Dar voz a essas pessoas é contar histórias que não foram contadas.”

Nesse sentido, ela também percebe uma transformação que se dá no plano formal desses romances. Há a busca por uma linguagem que o romance convencional, hegemonicamente branco e de classe média, não é capaz de entregar. “Não se trata de panfleto, mas uma literatura que tem uma força própria, que diz as coisas de um jeito próprio.”

Ela também acredita que o movimento de ascensão dessa literatura está ligado a uma resposta ao governo Bolsonaro. “Não deixa de ser uma forma de resistência. É preciso repensar o Brasil, e digo isso em termos de identidade mesmo. Quem somos como nação? Precisamos pensar nas grandes questões, além daquelas mais básicas.”

Saavedra cita como exemplo o Chile, seu país de origem, de onde se mudou aos 3 anos com a família, no qual o atual governo de Gabriel Boric, dobrou o orçamento para a compra de terras indígenas reivindicadas por direitos ancestrais e que hoje são de posse privada. “É muito emocionante o que está acontecendo lá, num país que passou por uma longuíssima noite, e agora aponta para algo de novo. Acredito que devemos prestar atenção no que está sendo feito.”

Para Saavedra não foi fácil retomar a prosa no mundo pandêmico, e as coletâneas de ensaios e de poesia foram fundamentais para o processo de voltar a escrever um novo romance. “De certa forma, os três estão conectados, esses dois livros me permitiram pensar melhor na linguagem, um jeito de narrar o presente. Como narrar uma realidade que é completamente irreal?” A resposta virá no novo romance que Saavedra deverá lançar em setembro. 

 

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