Cultura

Capinan sobre o negacionismo: ‘Não se convenceram que isso é terrível’

O compositor e poeta, também formado em medicina, completou 80 anos e diz que a música deve refletir a realidade que vivemos

Capinan sobre o negacionismo: ‘Não se convenceram que isso é terrível’
Capinan sobre o negacionismo: ‘Não se convenceram que isso é terrível’
Foto: Victor Carvalho/Divulgação
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Autor de músicas emblemáticas, como Ponteio (com Edu Lobo), Soy Loco por Ti América (com Gilberto Gil), Gotham City (com Jards Macalé), Coração Imprudente (com Paulinho da Viola), Papel Machê (com João Bosco) e Moça Bonita (Geraldo Azevedo), João Carlos Capinan, nascido há 80 anos em Entre Rios, na Bahia, no dia 19 de fevereiro, vai em suas letras irretocáveis de metáforas da política à imagem poética do amor.

Sem sair de casa onde mora, em Salvador, há um ano, por conta da pandemia, diz estar escrevendo bastante e compondo com parceiros recentes, como os baianos Alexandre Leão e Del Irerê, o cearense Manassés de Sousa e o ótimo músico pernambucano Juliano Holanda.

Dos parceiros das antigas que tem feito música nesses últimos tempos, consta o santo-amarense Roberto Mendes e o carioca Jards Macalé.

“Na verdade, procuro sempre outros parceiros porque se for um só, não dá conta. Diariamente escrevo”. Capinan diz levantar por volta de 4 horas da manhã, fazer o controle da pressão arterial e da glicemia (é diabético), tomar café e começar o que ele chama de “plantar, semear”, ou melhor dizendo, escrever.

“Tenho escrito sobre o inesperado (por conta da pandemia), pela dor, por aquilo que a gente não esperava encontrar. Passar por esse período terrível”, afirma. “Pretendo editar em livro alguns textos escritos na pandemia”, que seria mais uma obra literária de sua longa carreira dedicada às artes.

Um dia antes dessa entrevista com Capinan, a sua irmã mais velha, Maria José, de 93 anos, havia morrido de Covid-19. O compositor é de uma família de 12 irmãos, mas sete já faleceram.

Na pandemia, diz incomodar-se com o negacionismo: “`Parece ainda que os negacionistas não se convenceram que tudo isso é terrível. Tento raciocinar como negar, boicotar a vacina. Não entendo. Parece que há algo cultivado sobre a morte.” Cita-se que Capinan é médico formado pela UFBA.

A música, para ele, é a realidade que nos cerca: “Se não é um espelho que reflete a realidade, é complicado. Refletir não precisa ser necessariamente um comercial da miséria”.

Quando escreve uma canção considerada de amor, trata isso com importância e seriedade de uma sociedade cada vez mais distante de desejar amar.

“É difícil querer o outro. Vivemos uma sociedade onde o amor se esconde. Em tempo de cólera é mais difícil ainda. É uma sociedade que estimula a competição e não a solidariedade, trabalho pelo bem comum. É uma sociedade embrutecida.”

Em comemoração aos seus 80 anos, foi publicado uma edição dos Cadernos de Música dedicado à sua obra.

Na letra de Viramundo, em que Gilberto Gil musicou, feita há algumas décadas, Capinan mostrou-se um poeta conciso, pleno e inquieto: “Sou viramundo virado / Nas rondas da maravilha / Cortando a faca e facão /Os desatinos da vida / Gritando para assustar / A coragem da inimiga / Pulando pra não ser preso / Pelas cadeias da intriga / Prefiro ter toda a vida / A vida como inimiga / A ter na morte da vida / Minha sorte decidida”.

Foi com essa destreza nas palavras que Capinan chega aos 80 anos de vida como um dos grandes compositores brasileiros.

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