Cultura
Cada um por si
Depois de nos termos tornado partidários do individualismo, não existe mais solução
Recebi outro dia, com muita humildade, os comentários de um professor, pelo menos foi como se apresentou, a respeito das crônicas que tenho cometido aqui. Uma das críticas que me fazia o professor é a falta sentida por ele de comentários meus a respeito da situação vivida pelo Brasil. E nisso tenho de concordar com o mestre. Me dizia ele com a autoridade que lhe confere o título, que meus textos não são analíticos, não se aprofundam nos fatos do nosso dia a dia político.
Me defendo, caro professor. Sou cronista e não ensaísta, ou articulista, ou analista político. Minha matéria é a vida, sobre a qual não necessito de autoridade para falar, entretanto, como homem que mais ou menos vive seu tempo e acumula algumas opiniões sobre o que vê, tenho o direito de opinar. Crônica é opinião, não é conhecimento. Se você concorda com o cronista ou não, isso já é outra história.
Outra crítica, da qual não me defendo porque justa, é o fato de nunca abordar o cancro social que se chama individualismo. Meu caro professor, concordo com sua crítica, mas veja bem, uma das necessidades do capitalismo é justamente o individualismo exacerbado. E nesse sentido nosso sistema tem feito enormes progressos ideológicos ao mesmo tempo em que tem causado imensos estragos humanos. A egolatria é tão insistentemente apregoada, o ególatra é a tal ponto exaltado que para pensar e sentir diferente é preciso aceitar a carapuça de retrógrado, antiquado.
Na escola você tem de ser o primeiro, na igreja todos temos de ser os mais, no clube continua a competição, no bairro, enfim, nossa vida toda é regada de estímulos para que derrotemos os outros porque temos de ser os vencedores. A ideologia do vencedor nada mais é que um apelo à competição. E em tudo isso, somos induzidos ao individualismo consumista, porque a economia não sobrevive sem consumidores frenéticos.
A aurea mediocritas, de que Horácio tanto falava na Antiguidade, seria a sepultura de nosso sistema econômico. Sem a inveja de um vizinho que viu aquele morador na frente de sua casa comprar um carro novo, como é que iria funcionar a indústria automobilista? Calma lá, ambição e inveja são assuntos que demandam mais espaço. Vamos deixar como inveja mesmo.
Enfim, o que quero dizer é que, depois de nos termos tornado partidários do “cada um por si”, não existe mais solução. Vamos ficar gemendo e rangendo os dentes, vamos deblaterar continuamente contra a corrupção e a inépcia de nossos políticos (e nada é mais parecido com o eleito do que o eleitor), e nada vai acontecer. Não somos mais mobilizáveis, e as ações individuais não levam a lugar nenhum.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.