Cultura

Cachorrada!

Falam da extinção do panda, do mico leão dourado e da ararinha azul, mas onde foi parar o pequinês?

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Não é de hoje que ouço que o urso panda vai sumir do mapa. Mais precisamente desde o dia 6 de novembro de 1977, quando comecei a fazer anotações diárias e a guardar recortes de jornais e revistas que considerava importantes. O desaparecimento do urso panda aparece em recortes dos anos 70, 80, 90, dos anos 2000 e até hoje, mais precisamente anteontem. Preguiçosos e desligados no quesito sexo, os pandas estavam sumindo a olhos vistos e poderiam simplesmente acabar, sempre disseram os jornais e revistas.

O mesmo acontece com o mico leão dourado. Era menino ainda quando a Eu Sei tudo dava o alerta: O mico-leão dourado vai desaparecer para nunca mais! Confesso que nunca vi um ao vivo e em cores, só em fotografias literalmente amareladas. Urso panda também nunca vi um ao vivo e em preto e branco. Não sei se me fariam falta caso desaparecessem um dia mas acho que são tão fofinhos que não merecem virar peça embalsamada de museu.

A situação da ararinha azul é mais grave. Já ouvi dizer que só havia uma, um único exemplar na face da Terra, o que é grave já que uma ararinha azul só não faz verão. O que me deixa aliviado é que de tempos em tempos ela aparece se equilibrando de galho em galho no Globo Repórter. É sempre às sextas-feiras à noite que fico sabendo que a ararinha azul ainda está entre nós, apesar de também nunca ter visto uma ao vivo.

Agora quem sumiu mesmo – acho eu – é o cachorro pequinês. Lá pelos anos 60, 70, o pequinês era o rei da cocada preta. Tinha pequinês quem era fino, chique, como uma tia que morava no Flamengo. Para você ter uma ideia, em 1958 ela já tinha um personal trainer que ia ao seu apartamento na Rua Paissandu todas as manhãs. Era aquela tia rica que tinha um Studebaker último tipo, fazia compras na Sloper e tomava o chá das cinco com as amigas na Confeitaria Colombo. Ela usava saltos altíssimos, o cabelo de salão (era assim que dizíamos) e uma piteira comprada numa tabacaria no Boulevard Saint Germain, em Paris. Tinha isso tudo e um cachorro pequinês.

Outras crônicas de Alberto Villas:

Minha família não era rica mas um dia, metida a besta, comprou um pequinês, a Pink. Pink coitada, não era uma cadelinha sofisticada e de luxos. Tomava banho frio no tanque, sacudia o corpinho quando pulverizávamos sua barriga com Neocid e o que comia era o que sobrava dos nossos pratos. Quantas e quantas vezes não vi a Pink engasgada com um osso daquele franguinho assado de domingo?

Só agora com essa onda pet que tomou conta do Brasil, com pugs, yorkshires, labradores e mini bulldogs circulando nos shoppings centers é que dei falta do saudoso pequinês. O que teria acontecido com ele? Porque sumiu assim tão de repente? Nunca vi uma mísera reportagem dizendo ao menos que a raça estava correndo risco de extinção.

Vai ver que sumiu nada. Eu é que estou andando nos lugares da moda. Vai ver que eles viraram a bola da vez na periferia. Será? Será que a perifa está cheia de pequinês e eu não estou sabendo? Sei lá, acho que não. Acho que o pequinês sumiu mesmo do mapa, pobre coitado. Ele tinha uma focinho amassado, uma carinha brava e feia mas era, no fundo no fundo, um fofo.

Aqui no Google estão me dizendo que o pequinês é uma antiga raça de cão miniatura, originária da China. De acordo com lenda chinesa, este pequeno canino é o resultado de um amor impossível entre um leão e uma diminuta macaca. Pode ser mas pouco importa. Sei que quero o pequinês de volta já. O que fizeram com ele foi uma cachorrada.

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