Cultura

Ave Sangria encontra ‘cretinices insistentes’ em retorno após 45 anos

O grupo parou após censura em 1974. Na volta, lança um dos melhores álbuns deste ano

Ave Sangria (Foto: Flora Negri/Divulgação)
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Vendavais é um dos grandes álbuns de 2019. Representou o retorno em registro fonográfico do grupo pernambucano Ave Sangria.

A banda saiu de cena em 1974 depois de uma das músicas de seu primeiro trabalho sofrer censura poucos meses depois do lançamento.

A composição em questão é Seu Waldir. O curioso é que a letra não trata de política.

“A música Seu Waldir provocou a censura do disco por ser considerada ofensiva à moral e aos bons costumes da família pernambucana”, conta Marco Polo, autor da música e vocalista da banda.

“Na verdade, é uma brincadeira, uma paródia, feita para ser cantada por uma mulher, mas que resolvi interpretar como forma de peitar o machismo pernambucano.”

O músico afirma considerar curioso o fato de a composição não se tornar um hino gay. “Mas a plateia, os homens inclusive, a canta em uníssono comigo, sempre num clima de muita alegria.” A descrição se refere à reação de hoje do público com relação à letra.

“Trata-se de uma brincadeira saudável, curtindo com a cara dos homofóbicos, muitos deles homossexuais enrustidos.”

Álbum recolhido

O álbum proibido pela censura da Ditadura Militar foi recolhido das lojas e das rádios. Depois de longo tempo no limbo, o trabalho que leva no título o nome da banda foi redescoberto na internet.

Até uma comunidade do grupo na web foi criada. Isso foi um impulso para banda retomar aos poucos as atividades a partir de 2008, com a presença de antigos fãs e também jovens na plateia. Daí os convites para se apresentar só cresceram pelo Brasil afora.

Esse ano lançaram o segundo álbum, o Vendavais. “Por uma estranha coincidência voltamos justamente quando o Brasil está envolvido por uma onda de conservadorismo, preconceitos, ódio à cultura, à inteligência e à criatividade. É como se o destino conspirasse para que nos tornássemos mais uma vez uma banda necessária num momento desnecessário”.

Público revive anos 1970

O público da banda é predominantemente jovem e até mesmo adolescente, o que, para o vocalista Marco Polo, tem muito a ver com a identificação desse público com o mesmo que frequentavam os shows do Ave Sangria nos anos 1970.

“Acredito que eles se identificam com nossa postura de resistência ao autoritarismo, nossa rebeldia diante do retrocesso. Pois, ainda que sejamos uma banda de entretenimento, afinal fazemos uma espécie de rock, mas misturamos isso com a cultura tradicional nordestina, com letras que instigam o questionamento de postulados retrógrados que se querem absolutos”.

O que exatamente o Ave Sangria faz é um som mais pesado com boa dose de escracho psicodélico de forma criativa e instigante para pessoas em busca de referências em um período turbulento.

O álbum Vendavais tem 11 músicas inéditas de autoria de Marco Polo, sendo duas em parceria com Almir de Oliveira (voz e guitarra base), integrante da banda. O Ave Sangria da formação antiga ainda conta com Paulo Rafael (guitarra solo e viola). Completam o grupo Juliano Holanda (baixo), Júnior do Jarro (bateria) e Gilu Amaral (percussão).

“Embora o mundo tenha mudado muito desde a década de 1970, certas cretinices insistem em se manter na ordem do dia. E não podemos ficar passivos em relação a isso. Temos que combater toda forma de obscurantismo, por mais que se disfarce num tipo de patriotismo, outro conceito bastante questionável”.

Marco Polo ressalta que as críticas sociais impostas pelas músicas da banda não são panfletárias. “Fazemos o combate com criatividade. A liberdade e a alegria são as únicas bandeiras que nós levantamos. Se isso ainda for considerado contracultura, que seja”.

Está programado para dezembro o lançamento também em vinil do álbum Vendavais.

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