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Assassinatos à francesa

Dois longas-metragens lançados no circuito de arte retomam, por caminhos nada óbvios, o inesgotável gênero criminal

Assassinatos à francesa
Assassinatos à francesa
Do trágico ao cômico. A Noite do 12 aborda o feminicídio. O Crime É Meu é pura diversão – Imagem: Imovision e Film Movemen
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“O crime não compensa”, prega o antigo ditado. Os filmes, no entanto, fazem dinheiro contando tramas de assassinatos, desde que o cinema roubou a ideia dos escritores de histórias policiais.

O Crime É Meu, em cartaz desde a quinta-feira 6, e A Noite do 12, que estreia na quinta-feira 13, retomam o velho gênero de dois modos: o cômico e o trágico. E reafirmam a habilidade do cinema francês de fazer do “polar”, como eles chamam as histórias de crimes, um bom álibi para entreter ou questionar.

Baseado numa peça de 1934, O Crime É Meu traz a assinatura de François Ozon, cineasta capaz de passar do drama lacrimoso à comédia farsesca sem sair do tom. Seu novo filme pertence à linhagem de 8 Mulheres (2002) e Potiche – Esposa Troféu (2010).

O enredo mais que rocambolesco segue as peripécias de Madeleine e Pauline, duas garotas que compartilham suas misérias enquanto buscam um lugar ao sol.

O assassinato de um produtor influente coloca a aspirante a atriz Madeleine no centro das investigações, pois a morte ocorreu, supostamente, durante um encontro em que ele a atacou sexualmente. Pauline, além de amiga, é advogada e assume a defesa da colega.

Ozon aproveita a origem do texto para reiterar seus aspectos teatrais. O julgamento é a primeira oportunidade encontrada para que os talentos de Madeleine como atriz sejam ressaltados. Ela utiliza o papel de ré para performar.

As referências indiretas ao movimento #MeToo e as semelhanças entre o assédio praticado pelo produtor da ficção e os crimes sexuais cometidos pelo produtor Harvey Weinstein dão à trama um colorido contemporâneo.

Ozon, no entanto, não perde muito tempo com mensagens explícitas e filma seu divertimento como se brincasse na companhia de um elenco movido pelo prazer de representar.

Nadia Tereskiewicz combina fragilidade e falsidade em sua Madeleine, enquanto Fabrice Luchini, Dany Boon e André Dussollier flertam com a caricatura enquanto riem dela. A intromissão de Isabelle Huppert no enredo, no papel hiperbólico de um ícone do cinema mudo, apaga qualquer suspeita de seriedade. E isso não é pouco nestes tempos sisudos.

A Noite do 12, por sua vez, recebeu, neste ano, um punhado de troféus César, o principal prêmio do cinema francês. Realizado por Dominik Moll, o drama criminal adota o formato clássico de mistério conduzido por um inquérito policial.

Baseado em fatos reais, o filme recupera um caso que ficou sem solução. “Todo ano, a polícia judiciária abre mais de 800 investigações de homicídio. Cerca de 20% deles não são solucionados”, informa um letreiro.

O assassinato brutal de uma garota num recanto rural é investigado por um time de detetives, todos homens. À medida que as suspeitas recaem sobre os múltiplos parceiros sexuais da vítima, o filme amplifica sua ambição.

Em vez de se ater à trama de mistério, A Noite do 12 lança foco sobre o feminicídio e aborda as relações diretas entre crimes contra mulheres e valores moralistas.

Enquanto cada nova pista é seguida, sem sucesso, o filme mapeia o modo como os investigadores projetam seus fantasmas sobre os comportamentos femininos. E não demora para que as abordagens e os questionamentos policiais convertam a vítima em ré.

Ao contrário dos “procedurals”, formato narrativo abundante em filmes e séries construídos em torno da pergunta “quem matou?”, A Noite dos 12 adota uma estratégia menos gasta. Suas perguntas sem respostas devolvem a culpa para as leis não escritas – aquelas que, muitas vezes, servem mais para apagar do que para punir crimes. •


 STREAMING

Imagem: Imovision

Os quatro apartamentos de um prédio em Roma compõem o microcosmo que Nanni Moretti adota em Tre Piani (Reserva ­Imovision) para examinar o estado das relações humanas. Ao abraçar com força o melodrama, o cineasta italiano troca a ironia dos primeiros filmes por uma melancolia mais doce que amarga.

Imagem: DCI/Corfo/Meikincine

Dois caras se conhecem, se amam e se perdem. A desordem das histórias tristes de amor injeta vida em Os Fortes (MUBI),
primeiro longa-metragem do chileno Omar Zúñiga, um filme que vai além dos limites
da questão gay e desafia os estereótipos.

Imagem: Sony Pictures

A viagem de uma garota através da Rússia torna-se uma epopeia da solidão em Compartimento nº 6 (Amazon Prime ­Video), do finlandês Juho Kuosmanen, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2021. No trem, os modos como tememos ou nos interessamos por outros desafiam expectativas.

Publicado na edição n° 1267 de CartaCapital, em 12 de julho de 2023.

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