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As hierarquias da riqueza

Michel Alcoforado destrincha os elementos de distinção que os ricos brasileiros partilham apenas entre si

As hierarquias da riqueza
As hierarquias da riqueza
De dentro. Alcoforado assumiu, por 15 anos, a identidade de antropólogo do luxo – Imagem: Renato Parada
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Quando lançou Os Ricos e Pobres (Companhia das Letras, 2023), o sociólogo Marcelo Medeiros apresentou duas informações chocantes. A primeira é que, em termos de renda, o Brasil é relativamente homogêneo entre os 90% mais pobres.

A segunda é que, em 2012, 99% do patrimônio declarado à Receita Federal estava concentrado em 10% dos adultos e, dentro desse grupo, metade da riqueza estava nas mãos de 0,5% da população – indivíduos com patrimônio superior ao equivalente a 1,9 milhão de reais hoje.

Seria enganoso imaginar esse 0,5% como um grupo homogêneo. É aí que entra a antropologia de Michel Alcoforado. Coisa de Rico propõe-se a traduzir o que os dados estatísticos não apresentam: as distinções simbólicas que se operam entre famílias e membros das elites.

Para formular sua etnografia, ­Alcoforado – cria da classe média – assumiu, por 15 anos, a identidade de “antropólogo do luxo”. Foi isso que lhe permitiu ser aceito no universo dos milionários brasileiros.

Ele participou de interações nas quais os elementos de distinção não saltam facilmente aos olhos de quem está de fora e que pode, indevidamente, acreditar que eles se resumem a grifes de luxo e serviços ou bens claramente identificáveis como caros. Esse padrão, mostra o autor, é extremamente variado.

Nossos ricos não divulgam sua renda. Eles distinguem-se pelas coisas que possuem – de sobrenomes a passaportes, de bens funcionais a obras de arte – e pelo acesso a clubes e circuitos que, mesmo entre eles, podem não convir.

Coisa de Rico – A Vida dos Endinheirados Brasileiros. Michel Alcoforado. Todavia (240 págs., 89,90 reais)

Os ricos testam a si e aos de fora. Quanto mais lastro tiver ou quão mais longeva for a riqueza, melhor. Os emergentes precisam aprender os códigos que lhes permitam alcançar outros patamares da hierarquia.

Alcoforado também descreve a ansiedade, tanto entre os recém-incluídos nesse mundo quanto entre os que estão nele há tempos, gerada pela ideia de que não são ricos o suficiente. Afinal de contas, sempre alguém tem muito mais.

Ao comparar resorts, vinhos, mansões, carros e escolas dos filhos com os de outros, em patamares superiores, os ricos se veem a calibrar constantemente suas distinções simbólicas.

Importante, entre os nossos ricos, é estar ocupado, uma característica calcada na elite empresarial estadunidense em contraponto ao ocioso aristocrata europeu.

Até na ruína esse valor se perpetua. A identidade do “falido” pode ser um ­status, desde que se tenha pertencido à riqueza de verdade. Pobreza e mediania, essas sim, são inaceitáveis. •

Publicado na edição n° 1380 de CartaCapital, em 24 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘As hierarquias da riqueza’

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