Cultura

Apostas inúteis

Se temos apenas um chef que se destaca no cenário internacional, como é que alguém, com um mínimo de sensatez ou inteligência, diria que o Brasil será um gigante da cozinha internacional?

Cientistas investigam se a habilidade de ser um bom degustador de vinhos está no DNA. Uma balela inútil. Ilustração: Ricardo Papp
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O tal do Michael’s, em Miami, ganhou uma página do meu Refô. E lembro que foi lotadinha de elogios. Um ano depois eu lá voltei e levei família e amigos.

E cheguei tropeçando, esbarrando nas gentes. Motivos: excesso de pessoas e absoluta falta de luz. Seria uma tendência? No horroroso Nobu do Atlantis, em Nassau, idem, idem com relação à iluminação. Eu e mais um monte de fregueses tivemos de lançar mão da luz do celular para ler o menu.

Curiosamente, em lugares assim, depois de algum tempo a minha sensação é a de pré-desmaio. Tudo começa a escurecer e, hoje, ao me recordar do local, tenho apenas uma escura lembrança.

Vou pedir desculpas pela falta de paciência e resumo o que sucedeu no Michael’s depois que conseguimos enxergar o cardápio e fazer nossos pedidos: nada estava como estivera há um ano e eu cheguei a ser premiado com um prato que me foi servido frio. Ruim não estava, mas tudo, tudo que nos foi servido recebeu, pelo histórico, uma nota 6,0. Há um ano recomendei com veemência o local. Hoje não o faria.

Será que por lá também estão com dificuldade para conseguir mão de obra? Será que o Michael não tem estado presente?

Por isso sempre me lembro do Tatini, que há décadas entrega com extrema competência. Também com essa responsabilidade e tensão, os restaurantes Rubaiyat. Anos melhores, anos piores, mas sempre dentro de uma média acima da média.

Acreditem que isso dá muito trabalho. Tem sido mais fácil ter ideias para mudar. Novos caminhos rumo à modernidade. Novos conceitos. Mas eu pergunto: por que não continuar a fazer um bom churrasco, um bom macarrão, um bom arroz com feijão (esse, cada vez mais raro, virou território de gigaembusteiros que encontram gigaotários-com-dinheiro para financiá-los)?

E por falar em embustes e inutilidades, toco em dois assuntos. Na revista Wine Spectator leio uma matéria estranha: professores, cientistas de uma universidade de nome gigante, Brock University’s Cool Climate Oenology and Viticulture Institute, dedicaram tempo e grana para investigar se a habilidade para ser um bom degustador de vinhos pode ser identificada em seu DNA.

E lá se foram fazendo testes com netos, bisnetos de produtores de vinho e com outros sem nenhuma ascendência viticultora. Concluíram que, eventualmente, os descendentes podem notar algo mais. Todavia, o autor do artigo chega, até que rapidamente, à mesma conclusão que você deve ter chegado: e daí? Pra que isso? Que bobagem é essa? Quem me garante que o que disse o descendente é a verdade? DNA definindo gosto, paladar? Pouco provável. E, claro, inútil. Seria o mesmo que dizer: se você não descende de produtores de vinho, infelizmente não poderá usufruir de toda a riqueza que um bom vinho oferece.

Imagine se as pessoas começarem a acreditar nessa balela. O mercado de vinho acaba em pouco tempo. Consigo pensar em outras ideias para sugerir aos professores da universidade de nome estranho: teriam os canhotos uma habilidade maior para reconhecer um bom vinho branco? Pessoas que foram submetidas à cirurgia de apêndice conseguem entender melhor a sutileza de um Bourgogne feito fora da Bourgogne?

O outro assunto: leio que o Ferran insiste em mencionar que a gastronomia brasileira, a exemplo da China com bugigangas, vai dominar o planeta.

Com absoluta sinceridade coloco esse assunto no mesmo nível do anterior. Se temos um, e eu disse UM e apenas UM chef que se destaca no cenário internacional, como é que alguém, com um mínimo de sensatez ou inteligência, diria que o Brasil será um gigante da cozinha?

O tal do Michael’s, em Miami, ganhou uma página do meu Refô. E lembro que foi lotadinha de elogios. Um ano depois eu lá voltei e levei família e amigos.

E cheguei tropeçando, esbarrando nas gentes. Motivos: excesso de pessoas e absoluta falta de luz. Seria uma tendência? No horroroso Nobu do Atlantis, em Nassau, idem, idem com relação à iluminação. Eu e mais um monte de fregueses tivemos de lançar mão da luz do celular para ler o menu.

Curiosamente, em lugares assim, depois de algum tempo a minha sensação é a de pré-desmaio. Tudo começa a escurecer e, hoje, ao me recordar do local, tenho apenas uma escura lembrança.

Vou pedir desculpas pela falta de paciência e resumo o que sucedeu no Michael’s depois que conseguimos enxergar o cardápio e fazer nossos pedidos: nada estava como estivera há um ano e eu cheguei a ser premiado com um prato que me foi servido frio. Ruim não estava, mas tudo, tudo que nos foi servido recebeu, pelo histórico, uma nota 6,0. Há um ano recomendei com veemência o local. Hoje não o faria.

Será que por lá também estão com dificuldade para conseguir mão de obra? Será que o Michael não tem estado presente?

Por isso sempre me lembro do Tatini, que há décadas entrega com extrema competência. Também com essa responsabilidade e tensão, os restaurantes Rubaiyat. Anos melhores, anos piores, mas sempre dentro de uma média acima da média.

Acreditem que isso dá muito trabalho. Tem sido mais fácil ter ideias para mudar. Novos caminhos rumo à modernidade. Novos conceitos. Mas eu pergunto: por que não continuar a fazer um bom churrasco, um bom macarrão, um bom arroz com feijão (esse, cada vez mais raro, virou território de gigaembusteiros que encontram gigaotários-com-dinheiro para financiá-los)?

E por falar em embustes e inutilidades, toco em dois assuntos. Na revista Wine Spectator leio uma matéria estranha: professores, cientistas de uma universidade de nome gigante, Brock University’s Cool Climate Oenology and Viticulture Institute, dedicaram tempo e grana para investigar se a habilidade para ser um bom degustador de vinhos pode ser identificada em seu DNA.

E lá se foram fazendo testes com netos, bisnetos de produtores de vinho e com outros sem nenhuma ascendência viticultora. Concluíram que, eventualmente, os descendentes podem notar algo mais. Todavia, o autor do artigo chega, até que rapidamente, à mesma conclusão que você deve ter chegado: e daí? Pra que isso? Que bobagem é essa? Quem me garante que o que disse o descendente é a verdade? DNA definindo gosto, paladar? Pouco provável. E, claro, inútil. Seria o mesmo que dizer: se você não descende de produtores de vinho, infelizmente não poderá usufruir de toda a riqueza que um bom vinho oferece.

Imagine se as pessoas começarem a acreditar nessa balela. O mercado de vinho acaba em pouco tempo. Consigo pensar em outras ideias para sugerir aos professores da universidade de nome estranho: teriam os canhotos uma habilidade maior para reconhecer um bom vinho branco? Pessoas que foram submetidas à cirurgia de apêndice conseguem entender melhor a sutileza de um Bourgogne feito fora da Bourgogne?

O outro assunto: leio que o Ferran insiste em mencionar que a gastronomia brasileira, a exemplo da China com bugigangas, vai dominar o planeta.

Com absoluta sinceridade coloco esse assunto no mesmo nível do anterior. Se temos um, e eu disse UM e apenas UM chef que se destaca no cenário internacional, como é que alguém, com um mínimo de sensatez ou inteligência, diria que o Brasil será um gigante da cozinha?

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