Cultura

Após polêmica, Fabiana Cozza se impõe em homenagem a D. Ivone Lara

Em novo CD, a cantora recria de forma magistral o trabalho da grande compositora

Cozza critica o "tribunal" da internet (Foto: Marina Decourt/Divulgação)
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Fabiana Cozza lançou seu sétimo CD, o “Canto da Noite na Boca do Vento” (Biscoito Fino), num registro impecável à altura da homenageada no trabalho, Dona Ivone Lara (1922-2018).

O registro ganhou alta carga emocional depois de Cozza ser atacada pelas redes sociais, após anúncio no ano passado de que interpretaria D. Ivone no teatro.

As (injustas) críticas por ser “clara demais” para o papel a fizeram renunciar a sua participação no musical, mas não de fazer um CD da inesquecível cantora-compositora.

“Esse episódio é muito triste por que quiseram determinar qual o meu lugar na história, sem saber de onde venho”, diz. “Do ponto de vista afetivo, isso é um rombo muito grande. Tenho pai negro, vô negro, vó negra. Isso é um desrespeito de não dar vez ao lugar que você se reconhece”.

Seu novo disco sobre a música de D. Ivone Lara ressalta sua bela voz, com acompanhamento enxuto composto pelo virtuoso violonista Alessandro Penezzi (que também fez a direção musical), do ótimo bandolinista-cavaquinista Henrique Araújo e de um dos maiores percussionistas da atualidade, Douglas Alonso.

Convidados

O disco tem participações especiais de Maria Bethânia (em “Alguém Me Avisou”), Péricles (em “Adeus Timidez”) e do arranjador e saxofonista Nailor Proveta (em “A Dama Dourada”). A capa é de Elifas Andreato.

“Foi proposital (o disco mais intimista). Queria colocar uma lupa, uma lente de aumento na melodia e na poesia das músicas de D. Ivone”, afirma.

Segundo ela, isso permitiu mostrar a magnitude da obra de D. Ivone e seus parceiros, como na canção “Canto do Meu Viver” (com Delcio Carvalho) que ela só gravou com o violão de Penezzi.

“É de uma sofisticação melódica imensa. Essa música não se vê em roda de samba. Cada canção do disco foi escolhida pela minúcia, delicadeza, pelos detalhes. É uma obra irretocável”.

Várias músicas homenagearam D. Ivone ainda em vida. Mas para este CD, a canção “A Dama Dourada” foi feita especialmente para Fabiana Cozza cantar. “É a primeira composição que fazem para mim”.

Música inédita

Um dos grandes compositores da atualidade, Vidal Assis, foi ao estúdio no Rio de Janeiro ouvir as gravações de Fabiana para o disco-homenagem. Com permissão da cantora, o compositor levou a gravação da clássica “Mas Quem Disse que Eu Te Esqueço”, parceria de D. Ivone com Hermínio Bello de Carvalho, para o próprio Hermínio ouvir.

Antes, Cozza fez um pedido: que ambos (Vidal e Hermínio) compusessem uma música inédita para ser gravada no disco. Uma semana depois saiu a bela composição “A Dama Dourada”.

 “Sorriso Negro”, por Fabiana Cozza

O título da música dado pelos dois compositores é nome de um show da intérprete (assistido por Vidal e Hermínio) e título de um texto da cantora paulista sobre D. Ivone publicado em livro.

Fabiana Cozza assistiu pela primeira vez D. Ivone há 15 anos. “Ela estava vestida de dourado. Foi uma imagem luminosa. Nunca saiu da cabeça e do coração”.

A música que abre o disco “Meu Samba É Luz, É Céu, É Mar” (D. Ivone e Delcio) é um grito de liberdade e contra a maldade.

Marcas do preconceito

A composição remete ao momento que Fabiana enfrentou no ano passado de não aceitação de alguns grupos de que fizesse o papel de D. Ivone no teatro.

“Maior do que a polêmica que vivi é a situação do País. Muita desesperança, desmonte, ódio, polaridade. Esse samba é uma resposta a esse tempo doente. Essa canção foi gravada pela atualidade”, conta.

Ela acrescenta que a polêmica que se envolveu no ano passado tem a presença clara desse momento conturbado vivido pelo País. “Foi potencializado pela internet e esse ‘tribunal’ mascarado que se não sabe quem é que te ataca”.

As composições de D. Ivone, seja com qualquer parceiro, tem uma característica de resistência, pelo que enfrentou na vida, por ser uma mulher negra criada no subúrbio do Rio.

Cozza preservou esse ponto relevante no disco de uma das maiores compositora-cantora brasileira.

O disco tem uma unidade. Há músicas mais conhecidas, principalmente em rodas de samba, e outras menos.

Uma faixa é um pout-pourri de sambas que remete ao Império Serrano, escola de samba na qual D. Ivone foi sempre ligada.

Fabiana Cozza é, sem dúvida, a maior intérprete de D. Ivone Lara. E o ocorrido com ela, de receber pressões para não fazer o papel da imperiana no musical “por não ser negra o suficiente”, tem algo de absurdo: a negação da identidade nacional, uma comunhão de raças – no caso da cantora, mãe branca e pai negro -, uma das piores formas de preconceito.

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