Cultura
Após dois anos, a estreia de Regina Braga
A atriz ia entrar em cartaz com São Paulo no dia em que o País registrou a primeira morte por Covid-19


No dia 11 de março de 2020, Regina Braga realizou o ensaio geral da peça São Paulo. A estreia deveria acontecer no dia seguinte. Mas, ao acordar, a atriz viu no WhatsApp recados de Monique Gardenberg, responsável pela programação do Teatro Unimed, em São Paulo, pedindo para que ligasse para ela. A reunião com a equipe do espaço, horas depois, terminaria com o cancelamento da estreia e o fechamento do teatro.
E foi apenas esta semana, na terça-feira 25, que o Teatro Unimed, localizado na região dos Jardins, reabriu as portas. São Paulo estreou para convidados nesse dia. A estreia para o público aconteceria na sexta-feira 28.
“Estou adorando estar em cena de novo, mas também estou morrendo de medo”, disse ela, em entrevista realizada por videochamada, dias antes. “Estou fazendo ginástica, fono, tudo assim, por vídeo, como estamos fazendo. Parei de ver a minha família e estou me guardando para esta estreia. Se sinto qualquer coisinha, já coloco o termômetro”, confessa, rindo e, ao mesmo tempo, um pouco aflita com a transmissibilidade da Ômicron.
Ao relembrar que aquele 12 de março, dia do cancelamento da peça, foi também a data da primeira morte por Covid-19 registrada no Brasil, Regina ainda mantém no rosto algum espanto. “Lembro que, no teatro, chegaram a me perguntar o que o Drauzio (Varella) achava”, conta.
O médico, seu marido, é quem tenta ajudá-la, durante a entrevista, a resolver uma pequena falha no áudio do Zoom. “A partir dali, foi um luto. Por tudo. Nós, da equipe, paramos completamente e nos dispersamos. Nesse período, um músico que trabalhava no espetáculo teve de virar corretor de imóveis.”
A atriz, naquele momento, tinha também engatilhada a novela Um Lugar ao Sol, da TV Globo. As gravações, previstas para abril de 2020, foram adiadas nada menos que três vezes – uma delas, porque as atrizes Marieta Severo e Andreia Horta tiveram Covid-19.
“No fim, fui gravar em maio de 2021. E gravei tudo de uma vez. Eu tinha de gravar o Capítulo 20 e o Capítulo 75 no mesmo dia, porque a novela estava pronta. Tudo foi muito forte nesse período. Foi de tirar um pouco o ar”, resume, para em seguida ponderar que não está, de forma alguma, se queixando. Ao contrário.
“Estou adorando estar em cena de novo, mas também estou morrendo de medo”, diz a atriz
“Tinha a loucura de ir para o Rio de carro, de ficar no set de máscara, mas as gravações foram um capítulo na minha vida que jamais esquecerei”, diz. “Acho que a pandemia acabou por aproximar de forma mais forte o elenco, a produção, o maquiador, o contrarregra… Eu nunca tinha trabalhado com gente tão boa em televisão como a equipe do Maurício Farias.”
Regina conta que, diferentemente do que acontece no palco, um lugar que sente dominar, a televisão é sempre um grande desafio. “Faço pouco, e os recursos técnicos mudam muito. Quando fiz Por Amor (1998), as câmeras eram aquelas coisas grandes, que ficavam na nossa frente. Você sabia onde se sentar para fotografar melhor. Agora, as câmeras ficam em vários outros lugares, e você está sendo vista de ângulos que você nem imagina”, descreve, deixando entrever, nos detalhes, a paixão pelo ofício.
Sua personagem na novela, Ana Virgínia, é uma psicanalista. Curiosamente, Regina, anos atrás, formou-se em Psicologia. Chegou, inclusive, a marcar consulta com a primeira paciente. Mas, como conta no programa Persona, da TV Cultura, foi chamada para fazer um teste no mesmo horário. O impasse não chegou a ser um impasse. Obviamente, desmarcou a consulta, e entendeu que deveria deixar para trás o plano de ter um consultório.
“Ser atriz é uma escolha, mas é também uma necessidade”, reflete, quase 50 anos depois da estreia nos palcos, em 1967. Nascida em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, Regina veio morar na capital para prestar vestibular e, ao chegar, descobriu a existência da Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo. Ao ouvir esse nome, teve uma epifania.
“Na escola, eu era aquela que sempre queria tudo. Quem quer ser a cigana? Eu! Eu topava qualquer coisa. Mas, quando eu era criança, ser atriz não estava entre as opções de vida para uma moça direita”, ri-se. Uma das coisas que lhe ocorreu, na adolescência, foi ser jornalista.
O pai dizia, no entanto, que jornalismo não era uma profissão para moças porque implicava passar a noite na redação. “Se não podia ser jornalista, imagina ser atriz!”, diz. “Então, foi um pouco por acaso que fui virando atriz. A possibilidade de ir para o palco foi São Paulo que me trouxe.”
E é assim, olhando para trás no tempo e pincelando a própria trajetória que Regina Braga retoma o fio da meada: a peça que enfim estreia. A semente para São Paulo foi plantada em seu espírito criativo quase 20 anos atrás, a partir da leitura do livro Capital da Solidão, de Roberto Pompeu de Toledo. “Passei a passear pela cidade para ver os lugares de 400 anos atrás descritos por ele. Isso me trouxe uma relação muito amorosa com a cidade e despertou um grande desejo de descoberta”, explica.
Do calhamaço de informações sobre a cidade, das memórias, das contribuições dos amigos, das leituras públicas e das trocas com a diretora Isabel Teixeira nasceu São Paulo, peça cujo cenário é a mesa da casa da atriz. “Como me disse meu filho (o ator Gabriel Braga Nunes), o principal personagem da peça é a cidade”, define, com um discreto, embora indisfarçável, orgulho. “Como eu disse, São Paulo, para mim, significou uma grande libertação.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1193 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE FEVEREIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Após dois anos de espera, a estreia”
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