Cultura
Após a crise, a diversidade
Inhotim, o museu de Brumadinho, abre suas galerias para artistas negros e recebe obras de outras instituições


As exposições Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro e O Mundo É o Teatro do Homem, abertas no sábado 19 no Instituto Inhotim, são o segundo ato do processo de transformação do museu a céu aberto em um espaço mais diverso.
Criado em 2006 pelo empresário da mineração Bernardo Paz, o parque-museu de Brumadinho (MG) passou por uma série de crises nos últimos anos – do processo que investigou o uso da instituição para lavagem de dinheiro ao rompimento da barragem da Vale – e, desde o ano passado, está sob nova administração.
Coube aos novos gestores a parceria firmada com o Ipeafro, instituto criado em 1981 pelo artista, dramaturgo e ativista negro Abdias Nascimento. A parceria marca a chegada de um novo tipo de produção ao espaço historicamente dedicado à arte contemporânea abraçada pelo circuito internacional do colecionismo.
As duas novas mostras, exibidas em duas galerias, fazem parte de um conjunto de quatro exposições que indicam uma virada curatorial em Inhotim, tanto pelo recorte quanto pela presença de obras vindas de outras instituições.
“Essas exposições surgem no momento em que o parque repensa sua programação”, diz Deri Andrade, curador-assistente do museu. “Elas propõem questionamentos a partir do discurso de Abdias sobre identidade, representatividade e racismo e contaminam outros espaços do museu. Nossa ideia é debater a presença da autoria negra no circuito artístico.”
“A primeira coisa que Abdias traz, ao discutir o racismo, é a questão do acesso à cultura”, diz Lucas Menezes
A mostra Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro tem como ponto de partida o jornal Quilombo, editado entre 1948 e 1950, e inclui 34 artistas e coletivos. Entre eles estão Panmela Castro, Maxwell Alexandre e Antonio Obá, cujas obras foram recentemente adquiridas pelo museu. [NOTA DO EDITOR: Nesta sexta-feira, após a publicação da reportagem, Maxwell Alexandre solicitou a retirada de sua obra da mostra.]
Já O Mundo É o Teatro do Homem promove uma releitura atualizada do Teatro Experimental do Negro, grupo fundado por Abdias Nascimento em 1944. Em exibição, estão dois filmes assinados por Jonathas de Andrade e da dupla Barbara Wagner e Benjamin de Burca.
Segundo o curador Lucas Menezes, as obras escolhidas ecoam também o Teatro do Oprimido de Augusto Boal. “Abdias foi, certamente, uma referência para Boal”, diz. “O teatro, na trajetória de Abdias, aparece como um laboratório. O psicodrama era entendido como um lugar de cura e ativismo social”, explica. O trabalho de Barbara e Burca, não por acaso, foi realizado com o MST.
As obras, as leituras e as ideias de Abdias do Nascimento, é bom lembrar, têm se espraiado por várias instituições. Este ano, o Masp apresentou Um Artista Panafricano; em 2019, o MAC Niterói organizou a exposição Abdias Nascimento: um espírito libertador; e, em 2016, ele foi tema de uma Ocupação no Itaú Cultural.
“Uma das coisas que chamam atenção é a atualidade dos argumentos do Abdias”, diz Menezes. “A primeira coisa que ele traz, ao discutir o racismo, é a questão do acesso à cultura. E todo esse processo começa com as cotas raciais, que permitiu o acesso dos negros à universidade e, a partir disso, também aos espaços culturais.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1235 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE NOVEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Após a crise, a diversidade”
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