Cultura
Antonio Cicero: “A situação do Brasil é extremamente lamentável”
Escritor defende a poesia como forma de captar o mundo diferente dos interesses pessoais
Depois de março de 2018, quando tomou posse como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Antonio Cicero passou a ser porta-voz ainda mais respeitável da poesia lírica.
Com versos diretos, curtos, reflexivos, polissêmicos, contemporâneos e com muita sonoridade, ele é exemplo da prática na MPB.
“É importante lembrar que a primeira poesia ocidental que se conhece é a grega. Pois bem, essa poesia era toda musicada. Em outras palavras, era o que hoje chamamos de letra de música”, conta.
“A poesia épica de Homero era cantada, como ele mesmo mostra, ao descrever, na Odisseia, poetas a cantar. A poesia lírica da Grécia também era cantada. Aliás, a própria palavra ‘lírica’ se refere à lira, que acompanhava o canto do ou da poeta.”
Parceiros
Compositor, poeta, crítico literário e filósofo escreve poesia desde a adolescência. A descoberta da força dos seus versos associado à melodia ocorreu em sua própria casa. “Tornei-me letrista quando minha irmã, Marina, que é dez anos mais moça do que eu, pôs música num poema que eu havia escrito. Depois disso, invertemos o processo: eu passei a escrever letras para as músicas que ela compunha.”
Dessa feliz união surgiram clássicos como Fullgás e Pra começar. E ainda A Chave do Mundo, À Meia Voz, Deixa Estar…
As parcerias musicais cresceram e frutificaram com Claudio Zoli (À Francesa), Waly Salomão, João Bosco, Adriana Calcanhotto, Caetano Veloso, amigo e referência. “É claro que, de vez em quando, alguém põe música num poema que lê em algum livro meu.”
O jovem músico paraense Arthur Nogueira é um de seus colaboradores atuais: “Ele tem uma obra que admiro muito. É meu parceiro mais constante da nova geração”.
Força da poesia
Em tempos difusos e de diálogo difícil, Cicero vê os versos como forma de captar o mundo oposto aos interesses pessoais. “A poesia pode prevalecer porque enriquece nossa vida. E ela o faz justamente ao nos apresentar modos de apreender o mundo diferentes dos modos puramente utilitários pelos quais os políticos, por exemplo, o apreendem.”
O trabalho denso que desenvolve tanto na literatura como na música o colocam como uma personalidade capaz de endossar uma nação com traços fortes de valores e costumes.
“Penso que as artes são as principais expressões da cultura nacional. São elas que definem a especificidade de um país.”
As tentativas recentes de criminalizar a cultura e as expressões da arte, no entanto, fazem Antonio Cicero tratar a questão em linha reta e concisa como seus poemas: “Nesse sentido, a situação do Brasil é extremamente lamentável”.
O escritor planeja escrever um novo livro de poemas este ano.
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