Cultura

Ana de Hollanda: “O dirigismo cultural é oposto à criação artística”

Para ex-ministra, cartilha de Jair Bolsonaro dificulta ações na Secretaria da Cultura

Ana de Hollanda (Foto: Cafi/Divulgação)
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Foi em 1982 que Ana de Hollanda assumiu seu primeiro cargo público na área da cultura. Foram quatro anos como chefe de setor de Música do Centro Cultural São Paulo.

Depois foi secretária de Cultura de Osasco, na Grande São Paulo, entre 1986 e 1988. Antes de se tornar ministra da Cultura (2011-2012), foi ainda diretora da Funarte e vice-presidente do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

A face de cantora nunca foi abandonada nesse período, além de outras iniciativas próprias nos segmentos audiovisual, teatro e literatura.

O convívio com os dois lados, associado ao fato de sua origem familiar, fortemente ligada às artes, a fez ter um olhar mais holístico de gestora no poder público.

“Tem que ter visão ampla das necessidades do mundo da cultura e da coisa pública. Agir democraticamente. E conviver com uma demanda maior do que é possível atender”, diz ela.

“Mas tem que olhar o cidadão também, como ele está vendo o trabalho. Você tem que pensar os três lados: o de gestor, o artístico e o do público.”

No comando do Ministério da Cultura, percebeu tratar-se de um órgão pequeno para muitos segmentos a serem envolvidos num país multicultural.

“Cada região tem uma cultura, uma diversidade, uma linguagem. A gente trabalha com cultura viva até o artesanato, o bordado. A economia criativa, que é a cadeia produtiva da cultura”, relata.

“Tem uma parte que o mercado já atende. Mas tem setores que não chega, é difícil. O exercício é dar ferramentas para que as pessoas possam criar.”

Ameaça à liberdade

Quando ministra, lembra que as atividades em desenvolvimento se centravam em áreas de vulnerabilidade, como as periferias e a cultura indígena, para a prática de circulação e inclusão.

Segundo ela, esse direcionamento com de uns tempos para cá foi sendo esquecido. E, para a ex-ministra, Bolsonaro impôs uma cartilha de governo moralista, que é misógina, homofóbica e racista.

“A cultura é a expressão mais espontânea do pensamento de um povo. Eles retratam o que estão vendo, a visão deles. A liberdade de criação é fundamental. O dirigismo cultural e a censura são opostos à criação artística.”

Ana de Hollanda diz se assustar como pessoas como a atriz Regina Duarte, que se identificam com Bolsonaro e são alvos para ocupar cargo em um governo tão intolerante.

“Regina (Duarte), no passado de atriz, fez coisas maravilhosas em novelas.”

Música

No segundo semestre do ano passado, a cantora Ana de Hollanda realizou shows sobre a obra de Tom Jobim, que completava 25 anos de morte.

A relação da irmã de Chico Buarque com Tom Jobim vem de longa data. A sua estreia profissional ocorreu fazendo parte do coral de um memorável show do maestro (transformado em álbum) com a presença também de Vinicius de Moraes, Toquinho e a sua irmã Miúcha (falecida em 2018).

Conta Ana que o vocal desse espetáculo precisou trocar. Então ela, Pííí (sua outra irmã) e Beth (filha do Tom) foram fazer o teste para tirar a carteira da Ordem dos Músicos no Rio de Janeiro para se integrar ao show.

“Tom foi nos levar de carro porque queria ir na nova sede da Ordem. Na hora do teste, ele acabou tocando piano. O presidente da ordem falava: ‘Está tudo perfeito maestro’. Ninguém estava acertando nada, esquecíamos das letras. Tínhamos dormido muito pouco naquela noite. Mas mesmo assim as três foram aprovadas. O Tom não ia lá para tocar. Mas o presidente da Ordem não queria sentar no piano na frente do Tom. A minha oficialização como cantora foi assim”.

Hoje, Ana de Hollanda diz que tem se dedicado a compor, na maioria das vezes fazendo a letra, com parceiro como Cristovão Bastos, Leandro Braga, Nivaldo Ornelas, Marcelo Menezes, Lula Galvão, Novelli, Lucina, entre outros.

Comenta estar “desanimada” em gravar um novo álbum solo, que seria o quinto de sua carreira. O último saiu em 2009.

“Agora é tudo streaming. É uma besteira que paga ao artista. A produção é muito mais cara. Não tenho como bancar uma produção independente.”

Considera interessante a disponibilização de música na internet, mas acha o retorno financeiro “muito complicado”. Mas Ana ainda está estudando se lança ou não um novo trabalho este ano, que seria de músicas próprias.

“Meu interesse agora está na música”, afirma, complementando não ver o momento com otimismo e a carreira política cada vez mais distante de sua vida.

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