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Amanhã nunca mais

A morte de Theo Angelopoulos aniquila cinema de único olhar

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Cultor do vagar do tempo
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Em 2009, durante uma entrevista no Festival de Berlim a um grupo de jornalistas do qual CartaCapital participava, o grego Theo Angelopoulos analisou a reiteração de temas em seus filmes. “Estamos condenados a viver de nossas obsessões. Não é senão o mesmo filme que faço, o mesmo livro que escrevo.” O diretor estava pronto para retomar a circularidade de seu cinema, aliás encerrando uma trilogia, quando morreu na terça 24, aos 76 anos. Foi atropelado por uma motocicleta na Grécia quando buscava locações para um novo trabalho. Noticiou-se um projeto voltado à recente crise financeira de seu país. Compreensível. Mas ainda em Berlim, chegou a mencionar outro, de título provisório Amanhã, drama futurista que se seguiria a A Poeira do Tempo e Vale dos Lamentos. A tragédia, em conceito bem a calhar, traz de imediato a figura de Orestes em Paisagem na Neblina (1988), que com sua moto conduz duas crianças à procura do pai. Angelopoulos deixa essa  e muitas outras imagens inesquecíveis.

Ele também tinha a sua cena na memória, na forma de “uma sombra na parede e um grito”. Quando adolescente assistiu a Anjos de Cara Suja, de Michael Curtiz, e o momento em que um personagem é conduzido à cadeira elétrica e suplica pela vida o marcou como um pesadelo e o abriu ao cinema. Isso se deu na Grécia dos anos 1940 tomada pela guerra. Seu pai é preso, desaparece e retorna anos depois, “num dia cinza, chuvoso”. Características mais do que evidentes em seus futuros filmes, como


O Passo Suspenso da Cegonha, Um Olhar a Cada Dia e mesmo em A Poeira do Tempo, que retoma o personagem cineasta do anterior. Todos são marcados pela ideia da procura, do retorno, assim como A Eternidade e um Dia. Theo amava a mitologia e dela se servia ao tempo presente como forma de reivindicar o passado e de novo reconstruir a atualidade com seus Oreste, Helena, Alexandre e Ulisses.

Era um cultor do vagar do tempo, da síntese da palavra e da força visual, de cenas impressionantes como a dos corpos pendurados em  cercas nos conflitos dos Bálcãs em Um Olhar a Cada Dia. Angelopoulos tinha noção de seu registro fora da atual exigência de rapidez de imagens. Seu último trabalho ironiza a pressa, com registros do metrô paulistano, quando esteve na cidade como convidado da Mostra de Cinema, colhidos para o filme coletivo Mundo Invisível. A um estudioso de seu cinema, disse certa vez que a história o desapontou e que seu sonho de um mundo melhor foi aniquilado. Tristes e premonitórias palavras.

Em 2009, durante uma entrevista no Festival de Berlim a um grupo de jornalistas do qual CartaCapital participava, o grego Theo Angelopoulos analisou a reiteração de temas em seus filmes. “Estamos condenados a viver de nossas obsessões. Não é senão o mesmo filme que faço, o mesmo livro que escrevo.” O diretor estava pronto para retomar a circularidade de seu cinema, aliás encerrando uma trilogia, quando morreu na terça 24, aos 76 anos. Foi atropelado por uma motocicleta na Grécia quando buscava locações para um novo trabalho. Noticiou-se um projeto voltado à recente crise financeira de seu país. Compreensível. Mas ainda em Berlim, chegou a mencionar outro, de título provisório Amanhã, drama futurista que se seguiria a A Poeira do Tempo e Vale dos Lamentos. A tragédia, em conceito bem a calhar, traz de imediato a figura de Orestes em Paisagem na Neblina (1988), que com sua moto conduz duas crianças à procura do pai. Angelopoulos deixa essa  e muitas outras imagens inesquecíveis.

Ele também tinha a sua cena na memória, na forma de “uma sombra na parede e um grito”. Quando adolescente assistiu a Anjos de Cara Suja, de Michael Curtiz, e o momento em que um personagem é conduzido à cadeira elétrica e suplica pela vida o marcou como um pesadelo e o abriu ao cinema. Isso se deu na Grécia dos anos 1940 tomada pela guerra. Seu pai é preso, desaparece e retorna anos depois, “num dia cinza, chuvoso”. Características mais do que evidentes em seus futuros filmes, como


O Passo Suspenso da Cegonha, Um Olhar a Cada Dia e mesmo em A Poeira do Tempo, que retoma o personagem cineasta do anterior. Todos são marcados pela ideia da procura, do retorno, assim como A Eternidade e um Dia. Theo amava a mitologia e dela se servia ao tempo presente como forma de reivindicar o passado e de novo reconstruir a atualidade com seus Oreste, Helena, Alexandre e Ulisses.

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