Cultura

Aldir Blanc, letrista inigualável da MPB, morre vítima do coronavírus

Compositor deixa canções memoráveis como “O Bêbado e a Equilibrista”

Aldir Blanc
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Aldir Blanc não conseguiu mais se equilibrar. Internado desde o dia 15 de abril no CTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, o compositor e escritor carioca morreu nesta segunda-feira 4, aos 73 anos, por complicações em decorrência do novo coronavírus.

No último dia 10 de abril, Aldir Blanc havia sido internado no Centro de Emergência Regional do Leblon, com problemas respiratórios. Um dia antes de ser transferido para o Hospital Pedro Ernesto, familiares e amigos iniciaram campanha de arrecadação de dinheiro para ajudá-lo. Em 22 de abril, o teste do artista para a covid-19 deu positivo.

Um dos maiores expoentes da cultura brasileira, Aldir Blanc deixa como legado a enorme capacidade poética transposta à música de forma sutil, sarcástica, sublime e sentimental, envolvendo o cotidiano e a crítica social. Sua forma de tratar as peculiaridades do dia-a-dia, recheada de metáforas, nas letras de música, crônicas e poesias, o tornou um artista único em um país cada vez mais antipoético. Ouvir Aldir Blanc é um sopro forte inigualável contra o clichê.

A parceria com João Bosco em “O Bêbado e a Equilibrista”, “Kid Cavaquinho”, “O Mestre-Sala dos Mares”, “De Frente pro Crime”, entre outras, é demonstração clara dessa convenção que estabeleceu na letra musical, reunindo história à boa prosa. Parte desse encontro com João Bosco foi registrado por Elis Regina, mas essa sociedade não era a única.

Aldir dizia o que estava vivendo. Morava na rua Garibaldi, na Muda (um pequeno trecho da Tijuca, na zona norte carioca), há algumas quadras do Salgueiro, sua escola de coração. Da rua, quem passava por lá conseguia ver, presa na janela de seu apartamento, uma pequena bandeira do Vasco, sua outra paixão.

No bloco carnavalesco “Nem Muda Nem Sai de Cima”, onde o aquecimento era no bar da Dona Maria, na mesma rua em que morava, Aldir era figura presente na bateria, tocando tamborim. O périplo por botequins, nas raras vezes em que saia de casa, se tornou folclórico em sua vida.

Nos últimos anos, Aldir já não descia de seu apartamento, reforçando sua imagem de pessoa reclusa. Vivia às voltas com as contas, que não fechavam no fim do mês, mesmo sendo um dos compositores brasileiros de maior sucesso em todos os tempos.

Vida noturna

Quem nunca cantou “Salve! Como é que vai? Amigo, há quanto tempo…” em uma mesa de bar, já de madrugada? A composição de Aldir Blanc e Sílvio da Silva Júnior, intitulada “Amigo é Pra Essas Coisas”, é uma conversa de botequim memorável e foi gravada de forma antológica pelo MPB4.

“Catavento e Girassol”, de Aldir e Guinga, na voz de Leila Pinheiro, é um exemplo de como as palavras podem ter diversos sentidos figurados. Em “Medalha de São Jorge”, com Moacyr Luz, interpretado por Maria Bethânia, o compositor expõe seu lado devocional.

“Resposta ao Tempo”, dele com Cristovão Bastos, cantada por Nana Caymmi, é para passar a noite se emocionando com o ato do sentimento profunda, sem a menor pieguice. “Imperial”, com Wilson das Neves, louva a luz que brilha em Madureira, que é a mesma da zona sul do Rio de Janeiro.

“Saudades da Guanabara”, dele, de Moacyr Luz e de Paulo César Pinheiro é um manifesto e ao mesmo tempo uma reverência ao Rio de Janeiro.

“Vida Noturna” (2015) de Aldir Blanc, produzido por Moacyr Luz, é um dos poucos registros em álbum do compositor cantando. Trata-se de um raro momento para ouvi-lo, de forma sofrida e rascante, como era o seu jeito de falar. A interpretação de seus versos em músicas pouco conhecidas, mas do mundo típico de Aldir, dá sinceridade ao álbum cortante.

O letrista de voz grave canta em todas as faixas, algo que não aconteceu em outros dois trabalhos que ele lançou: um com o parceiro Maurício Tapajós (1984) e o de 50 anos (1996) com a participação de vários artistas.

No fim dos anos 70, depois de passar por vários veículos da imprensa, Aldir Blanc – que era psiquiatra de formação – foi também cronista do Pasquim. Dos diversos livros que lançou, o “Rua dos Artistas e Transversais” (2006) tem um bom apanhado de sua obra.

Na verdade, suas composições remetem às crônicas ou vice-versa. Tudo dentro de um universo de quem tinha domínio das palavras para se expor de maneira perspicaz e significativa.

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