Cultura

Ainda estamos aqui: o Brasil enfrenta o Oscar sem negociar sua essência

A tripla indicação do filme mostra que é, sim, possível dialogar com o mundo a partir da força nossas próprias histórias

Ainda estamos aqui: o Brasil enfrenta o Oscar sem negociar sua essência
Ainda estamos aqui: o Brasil enfrenta o Oscar sem negociar sua essência
Alile Dara Onawale/Sony Pictures
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Fazia tempo que os brasileiros não se uniam com tanta força em torno de um evento como agora com as três indicações de Ainda Estou Aqui ao Oscar 2025. Estava faltando ao Brasil um ídolo por quem torcer e Fernanda Torres trouxe de volta o gosto de vibrar e a esperança de celebrar uma conquista. O país, que já celebrou vitórias no futebol, na Fórmula 1 e na música, encontra agora no cinema uma nova arena de protagonismo global. E o faz de forma genuína: ao levar para o Oscar uma obra que fala diretamente às feridas e à memória do povo brasileiro, Ainda Estou Aqui aponta a capacidade de o Brasil exportar arte, identidade e resistência.

A obra de Walter Salles se destaca pela recusa em ceder ao colonialismo cultural que tantas vezes define os parâmetros das premiações internacionais. Diferentemente de filmes que adaptam suas narrativas para atender a expectativas globais, Ainda Estou Aqui mantém sua brasilidade intacta, oferecendo ao mundo um retrato autêntico de uma das páginas mais importantes da história brasileira. Essa resistência explica, em parte, por que o filme fez tanto sucesso nos cinemas brasileiros, que se sentem representados em um cenário onde a produção cultural do sul global, tantas vezes, é invisibilizada ou caricaturada.

As indicações do filme de Salles estão para além da vitória estética ou mercadológica. Em um mundo onde o revisionismo histórico avança e discursos autoritários tentam reescrever traumas coletivos, o Brasil projeta ao mundo uma narrativa que resgata a verdade e combate o apagamento da memória. A presença de um filme que expõe os horrores da ditadura militar em uma premiação de alcance mundial é uma forma de universalizar debates que não se limitam ao Brasil. Salles conseguiu projeção e reconhecimento apresentando uma história que dialoga com questões universais de luta contra o autoritarismo e defesa dos direitos humanos. O Brasil dos anos retratados em Ainda Estou Aqui dialoga com o mundo de hoje e, especialmente, com os Estados Unidos do Oscar, que escolheram Donald Trump para um segundo mandato.

Quando Fernanda Torres se destaca na categoria de Melhor Atriz, um espaço que tradicionalmente privilegia estrelas do cinema norte-americano ou europeu, levanta o questionamento de quantas outras atuações excepcionais de atores e atrizes permanecem ignoradas por falta de acesso a campanhas robustas de premiação, redes de distribuição e a legitimidade que o circuito mainstream confere.

As indicações de Ainda Estou Aqui tem ainda o potencial de atrair investimentos, fomentar coproduções internacionais e ampliar as redes de distribuição para outros filmes nacionais. O que só terá impacto duradouro se vier acompanhado por políticas públicas consistentes que priorizem a valorização do cinema brasileiro no próprio país. O clima de copa do mundo em torno de uma indicação ao Oscar comprova que o brasileiro quer, sim, acesso à arte. Há uma espécie de orgulho coletivo ao ver uma história tão profundamente enraizada na cultura e na política do nosso próprio país alcançar reconhecimento internacional sem renunciar à sua autenticidade. Prova de que é possível, sim, dialogar com o mundo a partir da força de nossas próprias histórias.

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