Cultura
Ai que vontade que dá!
Que bom que a gente não precisa sentir saudade de um bombom
Tudo mudou de 1938 pra cá, tudo mesmo. A gente viu nascer a televisão, o micro ondas, a máquina de lavar roupa, o secador de cabelo, o computador, a bicicleta Monark pneu balão e o grill George Foreman.
De 1938 pra cá, apareceu o CD, o smartphone, o skype, o cartão de crédito, a senha e a moça do telemarketing.
Inventaram também o velcro, a fralda descartável, a camisa Volta ao Mundo, a calça jeans rasgada, foi muita coisa que inventaram.
O mundo em 1938 era outro. Foi nesse ano que estreou no rádio um programa chatíssimo chamado A Voz do Brasil. Foi o ano em que mataram Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e sua companheira de luta, a Maria Bonita.
A gente sabe dessas coisas porque aprendeu nos livros de História, leu na Enciclopédia Barsa e viu em fotografias em preto e branco, coladas em álbuns com as páginas intercaladas por papel de seda. Agora, está tudo no Google.
Tudo mudou mesmo nesse mundo, menos uma coisa, o bombom Sonho de Valsa.
Foi em 1938 que a tradicional fábrica de chocolate Lacta lançou no mercado, o tal Sonho de Valsa, um bombom de wafer recheado com massa e pedacinhos de castanha de caju, coberto com duas camadas de chocolate, embrulhado em papel estanho de cor vermelha e recoberto com celofane cor de rosa.
O sucesso foi imediato, principalmente entre os mocinhos apaixonados que davam de presente para suas amadas desembrulharem no escurinho do cinema assistindo Holiday, com Katharine Hepburn e Cary Grant.
Não teve nada nesse mundo que fizesse o Sonho de Valsa mudar. Até mesmo o nome romântico e meio brega, uma coqueluche na época, continua firme e forte. Fizeram uma pequena mudança aqui, outro ali na embalagem mas, no fundo no fundo, foi sempre o mesmo bom e velho Sonho de Valsa.
Eu era pequenininho e lembro-me bem dele ali na vitrine da Padaria Savassi, um verdadeiro objeto do desejo. O Sonho de Valsa ficava ao lado do drops Dulcora que acabou, do chiclete Ping-Pong que acabou, do chocolate Kri que acabou e das bolachas Krek Krec, que já vinham mordidas pelo monstro e que também acabaram.
Sou um saudosista de marcas e produtos. Morro de saudade do Crush, da pasta de dente Signal com hexaclorofeno nas listras vermelhas, do talco Regina, da blusa Ban-Lon, do Renault Gordini, das botinhas Verlon e do Calcigenol Irradiado
Sinto falta do tigre da Esso, do tucano da Varig, do basset da Cofap e da galinha azul da Maggi.
Que bom que a gente não precisa sentir saudade do Sonho de Valsa que, fiquei sabendo, agora dá pra comprar até pela Internet.
Mas o Sonho de Valsa não está só, pensei aqui com os meus botões. O Toddy também não acabou, a pomada Minancora não acabou, a Maizena não acabou, o Leite Moça não acabou, o Biotônico Fontoura não acabou, o Polvilho Antisséptico Granado não acabou e o Ki-Suco, me disseram, voltou.
Quando eu estava no último parágrafo desta crônica, na hora em que eu ia falar do concorrente do Sonho de Valsa, daquele que também desperta minha memória e minha vontade de dar uma mordida, chegou a notícia de que a Nestlé, dona da Garoto, vai parar de fabricar o bombom que também tem nome démodé mas que continuava ai, firme e forte há décadas. Acredite! O Serenata de Amor vai acabar!
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