Cultura
Agora pode entrar
As casas da artista plástica Tomie Ohtake e da designer e arquiteta Chu Ming, em São Paulo, recebem duas exposições


Um dos dois estreitíssimos quartos reservados por Tomie Ohtake (1913-2015) para seus filhos na residência da família, no bairro Campo Belo, Zona Sul de São Paulo, ganhou, nas últimas semanas, um novo elemento decorativo: na parede onde fica apoiada a cama de concreto foram pendurados quatro pequenos óleos sobre tela de Paulo Pasta.
Também localizada na Zona Sul da cidade, no Morumbi, a casa de Chu Ming Silveira (1941-1997) foi outra que, recentemente, perdeu os móveis e objetos habituais para receber mais de 50 obras de arte – algumas delas, como as de Lygia Clark, Carmen Herrera, Joseph Beuys e Anish Kapoor, de valores quase inestimáveis.
São alguns os pontos a unir os dois imóveis. O primeiro é que neles moraram duas mulheres de origem asiática: Tomie, artista plástica, nasceu em Kyoto, no Japão, e Chu, arquiteta e designer, em Xangai, China.
Outro fato comum é que elas foram projetadas na mesma época, entre fins dos anos 1960 e início dos anos 1970, e são representativas do estilo brutalista. Além disso, foram feitas por arquitetos que nelas morariam – a de Tomie foi projetada por Ruy Ohtake (1938-2021), seu filho, e a de Chu por ela mesma.
O terceiro ponto de união, agora, é que ambas sediarão, a partir do domingo 11, a mostra Aberto. Pensada para acontecer em casas icônicas, a Aberto teve suas primeiras edições, em 2022 e 2023, num imóvel projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), no Alto de Pinheiros, e em outro assinado por Vilanova Artigas (1915-1985), no Alto da Boa Vista, ambos em São Paulo.
A ida aos dois endereços, como diz uma das curadoras, a designer Claudia Moreira Salles, não deixa de ser uma experiência imersiva, que “transforma cada casa em uma tela que combina forma e função”. O encontro improvável entre um trabalho de Adriana Varejão e um fogão ou as peças de Tunga a ocupar uma suíte com vista para o jardim causam, no visitante, sensações que, num museu, não seriam as mesmas.
Se isso acontece é também porque, de repente, entre aquelas paredes de concreto, vão se deixando antever as trajetórias e as próprias crenças em um certo modo de viver de duas mulheres que, no século XX, ousaram inventar.
A casa de Tomie, por exemplo, além dos quartos superpequenos, onde cabiam apenas as camas, quase não tem portas.
E Rodrigo Ohtake, filho de Ruy e neto da artista, conta que a avó, nos últimos dez anos de vida, dormia no ateliê, não mais em seu quarto. É, inclusive, no ateliê que está exposto seu último quadro, uma pintura toda branca, sem formas e com pouca textura, produzida em 2014.
A mostra Aberto leva, aos dois espaços, obras de nomes-chave da produção contemporânea
Nesse mesmo espaço estão dispostas as cerâmicas que ela ganhou da amiga Kimi-ni; a gravura a ela dedicada por Amélia Toledo; e outra, acompanhada de um “feliz aniversário”, feita por Ana Bella Geiger.
Além do marcante jogo de luz e sombra, chama atenção, na casa, o teto de concreto, de apenas 2,10 metros de altura. É Rodrigo quem conta que esse pé-direito condiz com uma ideia que Ruy tinha à época. “Ele dizia que o nosso olhar é horizontal e que, por isso, o teto mais baixo propicia aconchego”, diz Rodrigo, que também é arquiteto. Segundo ele, a residência, de 1968, funcionou também como laboratório para que seu pai, então um jovem arquiteto, experimentasse os vários usos possíveis para o concreto.
Já na casa de Chu Ming, onde ainda mora um de seus filhos – que, no período da exposição, ficará em um hotel – , o que primeiro detém a atenção de quem ali entra é o fato de as paredes não serem paralelas. O projeto abraça a irregularidade topográfica característica do Morumbi e não apenas possui vários pontos assimétricos – até uma banheira assim – como tem variados níveis. Não por acaso, as primeiras peças da exposição são umas escadinhas de Lygia Pape.
O que os curadores não ousaram tirar da residência de Chu foi, obviamente, o protótipo do orelhão feito para a Bienal de Arquitetura, nos anos 1970. O orelhão, objeto urbano que, por décadas, compôs o cenário das ruas brasileiras, foi a criação mais famosa de Chu. •
Publicado na edição n° 1323 de CartaCapital, em 14 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Agora pode entrar’
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