Cultura

‘Advantageous’ é história futurista sobre mulheres que se salvam

Questionando desemprego, maternidade, juventude e padrões de beleza, Advantageous é exemplo de como a ficção científica aborda questões de gênero

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Eu poderia começar com um título bem apelativo, destes que pululam pela internet: “7 motivos para ver Advantangeous”. Poderia. Mas vou começar dizendo que vale a pena assistir a esse filme por um motivo: porque é um dos filmes de ficção científica mais feministas que eu já vi.

O filme é de 2015, está disponível na Netflix e, de cara, eu soube que eu estava diante de uma ficção científica bastante diferente do que eu estou acostumada a ver em termos de produções americanas.

Então prepare-se: não é um filme convencional – e meu texto a seguir traz alguns spoilers leves; nada que comprometa seu aproveitamento da história.

Para começar, o filme é escrito e dirigido por mulheres. Jennifer Phang dirigiu e escreveu, e Jacqueline Kim, além de roteirista, atuou como a protagonista do filme. Ambas foram premiadas por este trabalho no Sundance Film Festival de 2015.

A história se passa num mundo super futurista, apesar de parecido com o nosso em vários aspectos. O filme é sobre uma mulher tentando sobreviver às instabilidades econômicas e garantir um futuro digno para a filha.

Sim, Advantageous é protagonizado por mulheres. Mãe e filha, como é tão difícil de ver na ficção no geral. E uma mãe solteira, ainda por cima. Além disso, são personagens de ascendência asiática.

O filme passa no Bechdel Test com louvor, já nos dez primeiros minutos do filme. Este teste, elaborado pela quadrinista Allison Bechdel, serve para medir a representatividade feminina numa história e consiste em 3 regras: a história tem mais de duas personagens femininas com nomes? Que conversam entre si? Sobre um assunto que não tem a ver com homem? Em Advantageous, a resposta é sim. Para todas.

A maioria das personagens da história são mulheres. Só existem 2 homens no filme (inclusive, um deles é o Mr. Chow, personagem de Se Beber, Não Case, o que me fez achar meio esquisito ver o cara num papel mais dramático).

Gwen, a protagonista interpretada por Jacqueline Kim, é uma mulher na casa dos 40 que trabalha para um laboratório de biomedicina como uma espécie de porta-voz. Quer dizer, trabalhava. O filme se desenvolve partindo do conflito principal que é ela sendo demitida e tendo que arrumar formas de cuidar da sua filha Jules em meio a uma economia em crise.

O filme aborda a questão da vulnerabilidade da mulher no desemprego, pois vemos como as mulheres são as primeiras a serem descartadas e as mais afetadas por isso. Tente reparar em quem aparece como pessoa desempregada ou falida no filme.

Há até um diálogo no filme que reforça isso, quando o superior de Gwen explica a ela que demitir as mulheres tem sido um movimento em várias empresas. Ele diz que isso era melhor do que ter vários homens desempregados na rua. Ao que Gwen responde: “melhor pra quem?”

Não dá para ignorar o fato de que Gwen é demitida por ser “velha demais”. A empresa procura por rostos mais jovens – o produto principal deles é uma nova forma de cirurgia estética, ou seja, eles literalmente vendem aparência – e eles decidem que Gwen não tem mais utilidade ali.

Quando tenta se candidatar a novos empregos, ela recebe uma única indicação, que é ser uma doadora de óvulos. Ou seja, naquele mundo, tanto quanto no nosso, uma mulher só vale alguma coisa enquanto tem uma aparência adequada ou serve para a reprodução.

O filme também mostra mulheres muito jovens, praticamente crianças, tendo que recorrer à prostituição para sobreviver. É essa imagem que faz Gwen temer pelo futuro da sua filha adolescente se ela não conseguir matricular Jules em uma boa escola.

A educação é uma questão muito importante para as mulheres também abordada em Advantageous. Isso porque uma garota que tenha acesso à educação formal está menos suscetível ao trabalho infantil, violência doméstica, escravidão, tráfico sexual e casamento infantil – sobre isso, recomendo ver o documentário Girl Rising, com várias histórias e estatísticas sobre garotas & educação.

Por isso, a preocupação de Gwen faz tanto sentido e a motiva a fazer um grande sacrifício para que Jules tenha alguma perspectiva que não seja desemprego, miséria e prostituição. Então, de certa forma, a história é sobre mulheres que se salvam.

O envelhecimento e o padrão de beleza também estão presentes entre os questionamentos do filme.

No mundo de Advantageous, é esperado que as mulheres não envelheçam e que se submetam a processos absurdos, capazes de modificá-las completamente, apenas para que elas se adequem a uma aparência mais agradável.

Essa obsessão pela juventude é levada ao extremo pela empresa onde Gwen trabalha, que oferece cirurgias estéticas que consistem basicamente em transferir o cérebro da pessoa para um corpo jovem e bonito.

Isso também levanta outras questões sobre memória e identidade. O que somos nós? Somos nosso corpo ou o nosso conjunto de lembranças? Podemos continuar a ser nós mesmos mesmo sem nosso corpo?

Além de tantos questionamentos que podem ser considerados feministas, de uma protagonista extremamente humana e de uma história bem construída, Advantageous também vale ser visto por conter uma estética e linguagem bem diferentes, que mostra que o filme não está ali para dar tudo explicadinho e mastigadinho para o espectador.

É um filme que provoca reflexões. Por isso, Advantageous honra a ficção científica e faz valer o tempo de quem, assim como eu, procura algo do gênero que fuja do mais do mesmo.

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