Cultura

Adriana Calcanhotto assusta-se com “a negação e o desprezo” à pandemia

Cantora lança álbum composto e produzido durante a quarentena

A cantora Adriana Calcanhotto. Foto: Leo Aversa
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Em dez dias de isolamento social por conta da pandemia Adriana Calcanhotto fez nove músicas. Ainda escrevia as últimas composições quando já passava as primeiras obras para o produtor Arthur Nogueira. Foram 43 dias, terminados em 8 de maio, entre o início do ato de compor até o fim da mixagem do álbum Só Canções da Quarentena.

Esse curto processo é oposto ao que a cantora e compositora costuma fazer antes de lançar um trabalho, em geral de extensa atividade de depuração. Segundo ela, o álbum recém-lançado saiu em função de querer fazer algo que estivesse ao seu alcance para as pessoas.

Os direitos autorais de cada faixa do novo trabalho de Adriana Calcanhotto foram doados para diferentes instituições assistenciais, e uma delas a arrecadação foi direcionada à equipe de técnicos da cantora.

“Eu ia para Portugal, mas não fui por causa da pandemia. Mas fiquei condicionada, como sempre fico nessa época do ano, em pensar, investigar a canção, porque eu dou um curso lá sobre isso”, conta ela, que no primeiro semestre dos últimos anos têm lecionado na Universidade de Coimbra. 

“Daí fiz uma canção, depois fiz outra, depois outra. Fui fazendo isso como um diário. Elas foram saindo permeadas pelo meu estado de espírito, pelos acontecimentos do dia anterior. E aí acordava, pensando nas aulas, nos alunos. Nessa investigação sobre o ato criativo”.

 

Calcanhotto relata que o que fez na criação das composições do trabalho novo iria propor aos alunos do curso, de produzir uma canção por dia, até a hora do almoço. “Pega-se batidas que já estão na internet, fazendo exercícios de rimar. Como a batida é ‘esvaziada’ (tem espaço para construção de sons), isso ajuda a encontrar caminhos melódicos”, explica o processo de produção das faixas do álbum Só.

“Aproveito a base e sai melodia e letra. Isso é uma das coisas que gosto e vou propondo aos alunos, no sentido de desmitificar que para ser um compositor você precisa ser um instrumentista”. 

Mas a cantora ressalta que esse exercício de composição não garante um trabalho sólido, mesmo no período de quarentena, com menos interrupção e, ao mesmo tempo, isolamento. “Precisa ser vivido com intensidade” para se ter resultado. 

O violão também foi companheiro de Calcanhotto na elaboração das músicas compostas durante a quarentena. As músicas de percorrem o funk, o samba, o jazz, a MPB.

As letras

Sobre as inspirações das composições, elas estão relacionadas ao vivenciado no período da pandemia tanto no seu ambiente interno como externo.

Na quarta faixa, versos torturantes: “Em tempos de quarentena / Nas sacadas nos sobrados / Nós estamos amontoados e sós / O que temos são janelas / O que temos são panelas”.

Na seguinte, com o título sugestivo de Sol Quadrado, mais inquietações no isolamento: “Diz uma lei da física / Que o que jogas pro alto volta para o teu telhado / O mundo dá voltas e agora / Até o gado tá baratinado”.

Na sexta faixa, a agonia do excesso de informação na quarentena: “Tive notícias suas / Eu não perguntei / Tive notícias suas / Meio sem querer / Tive notícias suas / Num mundo de notícias”.

Lembrando da estrada é faixa dedicada ao seu pessoal: “A gente tinha terminado a turnê Margem (álbum lançado em 2019) no Circo Voador, no Rio de Janeiro. O trabalho continuaria na Europa, mas foi adiado. Enfim, fiquei pensando na equipe. Pensei em compor um single e reverter a renda para eles. Acabou que virou um disco. Aí escolhi a faixa que fala da estrada da minha vida, que é com eles, e cedi os direitos”.

Arthur Nogueira foi uma boa escolha na produção do álbum. O jovem também é talentoso na composição, na referência poética e um dos principais nomes em ascensão na MPB hoje, com postura menos espetaculosa e mais visceral e acessível na música para talentos como Adriana Calcanhotto.

Coronavírus

A cantora e compositora não esperava que a quarentena devido à pandemia do novo coronavírus levasse tanto tempo, com a produção e lançamento de novo álbum já feitos, e ainda tendo que esperar o fim do isolamento: “Acho que queimei a largada”. Diz que tem dias que acorda mais animada, outros nem tanto.

“É uma maratona. É uma prova mais de resistência do que qualquer coisa. É totalmente inacreditável os acontecimentos, os fatos. O jeito que os fatos se ligam. O desprezo. A negação. Tudo isso é muito ruim”. Ela também reconhece que Brasil não é para amador. 

“Aqui no Rio, com a abertura, não ser o que vai acontecer. Não dá para fazer uma previsão se a a gente vai fechar tudo de novo. Tenho bastante medo desse jeito das pessoas de estarem aglomeradas sem máscara como se nada tivesse acontecendo”.

O trabalho Só Canções da Quarentena teve a participação dos seguintes instrumentistas: Allen Alencar (guitarra), Zé Manoel (piano), Diogo Gomes (sopros), Bruno di Lullo (violão), Rafael Rocha (percussão), Bem Gil (violão), Thomas Harres (bateria e percussão) e Chibatinha (guitarra). O álbum é dedicado a Moraes Moreira.

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