Cultura

Acusações de plágio viram rotina na indústria do entretenimento

Nos novos tempos musicais, muitas dessas apropriações vão além da melodia

Similaridades. Ed Sheeran foi parar no tribunal por causa do hit The Shape of You. Em um show recente, Katy Perry comemorou sua vitória na justiça - Imagem: Ben Stansall/AFP e Redes sociais
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Acostumado a enfrentar grandes plateias em estádios e ginásios, o cantor inglês Ed Sheeran tem se visto obrigado a encarar outro tipo de tête-à-tête: com advogados, musicólogos e juízes da corte inglesa. É que Sheeran tem sido continuamente acusado de plágio por parte de diferentes compositores.

O último processo foi movido por ­Sami Switch, que escutou similaridades excessivas entre a sua Oh Why, de 2015, e The Shape of You, composição que o cantor inglês lançou dois anos depois. O imbróglio jurídico torna-se ainda mais chamativo quando se conhecem os números impressionantes em torno da canção.

The Shape of You tem cerca de 3 bilhões de streams no Spotify e rende a ­Sheeran e aos coautores Steven McCutcheon e ­Johnny McDaid mais de 6 milhões de dólares por ano em direitos autorais – embora 10% disso esteja congelado por causa do processo movido por Switch.

Sheeran e sua Shape of You não estão sozinhos nas cortes mundiais. Há pouco tempo, a cantora Katy Perry venceu um processo movido oito anos atrás por ­Flame, um artista de rap cristão que identificou algumas similaridades na batida e nas melodias de sua Joyful Nois em Dark Horse, hit da cantora. O compositor pediu 2,8 milhões de dólares pela, digamos, apropriação indébita.

No dia 11 de março, Katy comemorou a vitória durante uma apresentação em Las Vegas. Ela cantou Dark Horse, mas trocou os versos Que fique bem claro: antes de desistir de mim… por Que fique bem claro: antes de você me processar… E ainda emendou um palavrão.

A ação contra Ed Sheeran envolve direitos na casa dos 6 milhões de dólares anuais

Levitating, da cantora Dua Lipa, não sofreu um, mas dois processos de plágio. O primeiro partiu da dupla de compositores L. Russell Brown e Sandy Linzer, que a acusaram de surrupiar a melodia inicial das canções Wiggle and Giggle All Night e Don Diablo, gravadas, respectivamente, em 1979 e 1980. Posteriormente, o grupo de reggae Artikal Sound System entrou com uma ação judicial ao notar que o refrão do sucesso de Lipa traz semelhanças gritantes com Live Your Life, de 2017.

Uma frase atribuída a Igor Stravinski professa que “o bom artista copia, o gênio rouba”. O compositor, de fato, utilizou muito do cancioneiro folclórico russo em suas criações – entre elas A Sagração da Primavera, que remete aos cânticos que escutou na juventude. Esse mesmo recurso foi usado por George ­Gershwin em Porgy & Bess, ópera embalada pelo jazz e influenciada pelas músicas que ele ouviu nas missas das igrejas frequentadas pelos negros do Sul do país.

Mas o que acontece quando, em vez de servir como inspiração ou como ponto de partida, melodias e refrãos são copiados de modo descarado? “É algo que tenho observado com frequência”, diz ­Dudu Borges, produtor de artistas como ­Luan Santana, Michel Teló, Fábio Jr. e Pedro Mariano. “A junção da falta de criatividade com a pressa de atingir o sucesso faz com que se criem caminhos que passam longe do correto. Estamos numa época em que cada um inventa a sua verdade e sua lei.”

O nome plágio vem do latim plagium, que caracteriza a ação de roubar uma pessoa. Em termos musicais, o plágio está configurado quando uma música possuiu oito compassos semelhantes a outra canção. Foi assim que o ­Beatle ­George Harrison caiu nas malhas da Justiça, em 1971. O sucesso My ­Sweet Lord foi processado pela editora que cuidava dos direitos autorais de He’s So ­Fine, do grupo Chiffons. Harrison perdeu o processo, que entrou para a história como um “plágio involuntário”. Explicando melhor: ele teria escutado a melodia, que ficou em sua cabeça e se tornou My ­Sweet Lord. É o mesmo caso de ­Yesterday, de Paul McCartney, que teria nascido de uma antiga composição irlandesa que ele escutou na infância – nesse caso, não houve processo.

Ser ou não ser. No Brasil, o DJ Alok (à esq.) é acusado por Kevin Brauer (à dir.) e seu parceiro de ter se apropriado, de maneira indevida, de composições criadas pela dupla – Imagem: Redes sociais

Nos novos tempos musicais, muitas dessas apropriações vão além da melodia. Blurred Lines, sucesso de 2013 do cantor Robin Thicke, do produtor ­Pharrell Williams e do compositor T.I., teria se apossado do “clima” de Got to Give Up, clássico do repertório de Marvin Gaye. Embora a melodia não seja semelhante, a causa, de 5 milhões de dólares, foi decidida em favor da editora do ex-astro da Motown e criou uma jurisprudência no direito autoral.

O caso de Blurred Lines ilustra as diferenças do processo criativo na música pop. A melodia era o ponto de partida das canções das décadas de 1960, 1970 e 1980. Dos anos 1990 em diante, com o aprimoramento da parafernália eletrônica, os métodos e as referências de criação mudaram. “Há novos elementos na música pop atual: muitos hits são construídos a partir de uma batida. E, quando falo em batida, estou me referindo aos elementos rítmicos presentes na música, que variam muito entre si, até dentro de um mesmo rótulo ou estilo musical”, pontua o produtor Otávio de Moraes, que atuou como diretor musical da dupla Sandy & Júnior. “Hoje, o plágio, certamente, passa pela análise da batida associada aos timbres e sonoridades.”

Outro elemento que deve ser levado em consideração é que uma simples canção pop chega a ter oito, nove colaboradores, que unem trechos de batidas e melodias até formar uma música de sucesso. Levitating, por exemplo, possui quatro autores, além de um produtor. Durante o processo, é bem possível que algum desses autores tenha buscado inspiração em outros sucessos. “A música é tratada como a indústria da alimentação nos anos 1960 e 1970, quando se glorificava a comida processada. Usar essa metodologia de forma contínua gera um esgotamento”, diz o produtor João Marcello Bôscoli.

O Brasil possui alguns casos de repercussão internacional. Em 1978, J­orge Ben entrou com um processo contra Rod Stewart quando o pop star transformou sua Taj Mahal em Do Ya Think I’m Sexy – que, recentemente, viralizou em dancinha do TikTok. Os royalties da canção foram revertidos para o Unicef.

No pop atual, as semelhanças estão muitas vezes nos elementos rítmicos e não nas melodias

O compositor Toninho das Geraes viu semelhanças incríveis de sua Mulheres, sucesso na voz de Martinho da Vila em 1995, com A Million Years Ago, gravada duas décadas depois por Adele, e diz querer entrar na Justiça. Mais recentemente, o DJ Alok sofreu um processo que vai além do plágio. Ele é acusado de ter utilizado composições da dupla de produtores Sevenn e tê-las assinado como se fossem suas. E isso é bem mais corriqueiro do que se possa pensar.

Sean e Kevin Brauer, os Sevenn, são o que se chama de ghost-producer, alguém que cria composições a serem assinadas por terceiros, por uma quantia específica. O que os produtores alegam, nesse caso específico, é que não receberam pelo trabalho. Alok nega a exploração em ­suas redes sociais.

Nesse nebuloso universo do plágio, uma coisa é clara: fracassos não geram processos. O produtor Guy Chambers e o cantor Robbie Williams foram parar nos tribunais porque Jesus in a Camper Van, de 1998, trazia similaridades com a letra de I Am the Way, composição de 1961 do astro folk Woody Guthrie. Eles foram obrigados a ceder parte dos ­royalties para a editora.

Em 2013, a MC Brunninha e sua mãe, Janne Lopes, alegaram que a melodia ­

O Show das Poderosas, de Anitta, era, na verdade, Corpo de Mola: Você Vai Pirar, que a MC cantou num programa de televisão – e que jamais foi gravada. O caso foi à Justiça, que deu ganho de causa para Anitta.

A pendenga de Ed Sheeran, por sua vez, promete estender-se. Até agora, as partes não chegaram a um acordo sobre o que seria ou não plágio. Mas, pela atenção que tem recebido e pelos valores que mobiliza, essa ação, pode, futuramente, servir de parâmetro para outras do gênero. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1201 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Tudo se copia?”

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