Cultura
A volta dos três dedos
Vinícius Júnior, nosso craque no Real Madrid, e Marcelo, em sua volta auspiciosa ao Fluminense, brilham com seus chutes de trivela


O Campeonato Brasileiro, alardeado como o melhor dos últimos anos, finalmente deu sua arrancada. A competição começa com todos os maiorais de volta à Série A e com uma Série B que, mais uma vez, promete ser quente.
Quem sabe assim muda um pouco o tom das conversas. Neste momento, em qualquer lugar que se esteja, ouve-se alguém se queixando do futebol. “Está “mal”; “não dá pra ver”, “cada time, antes, tinha dois ou três cracaços fora de série”. E sabemos que, de fato, atualmente os garotos saem dos clubes ainda nos “cueiros”.
Outra afirmação constante é aquela de que o Palmeiras é o melhor time brasileiro do momento. Trata-se de uma equipe que não tem nenhum supercraque, nenhum grande ídolo, e sua maior revelação já está de malas prontas. O último time que segurou sua revelação por um tempo maior foi o Santos, com Neymar, enquanto o jogador se valorizava cada vez mais.
Confesso que não dá para discordar muito desse argumento. Mas, como vivemos da sagrada esperança, vamos driblando aqui e ali. Neste início de temporada, se ainda podemos chamar assim este ciclo sem-fim dos campeonatos que se sucedem, algumas coisas ajudam a revigorar a esperança. A primeira delas é o retorno dos “três dedos” – hoje também chamado de chute de trivela – aos campos do mundo.
Embora esteja na Europa, Vinícius Júnior é nosso e tem ajudado a manter acesa a chama entre nós. Com Benzema, seu parceiro de Real Madrid, ele está fazendo e acontecendo por lá – esbanjando lances de três dedos.
Outro nome que nos dá esperança é Marcelo, com sua auspiciosa volta para o Fluminense no início deste mês, na partida contra o Sporting Cristal, pela Libertadores.
Parece a típica situação da pessoa na hora certa e no lugar certo. No último clássico do tricolor, na final do Campeonato Carioca, o craque lançou mão dos tais três dedos para pintar uma obra de arte.
É até estranho que tal lance não tenha sido louvado como a luz do Renascimento. A única explicação para isso é que a simplicidade do gesto talvez tenha feito com que uma raridade daquelas fosse recebida com naturalidade.
O melhor de tudo é que Marcelo nos obriga, assim, a relembrar o genial Didi, que usava e abusava dos toques de três dedos, sem falar da “folha-seca” – um chute de três dedos em que a bola caía como uma folha seca dentro do gol.
Marcelo prova que a qualidade técnica pode superar a excessiva valorização que se dá atualmente à forma física. No Fluminense, em caso de necessidade, Marcelo ainda pode cumprir a função de Ganso, de alimentar o ataque tricolor. E por falar em Ganso, ele desliza de patins no Maracanã. Nos oferece um bailado, como se o gramado fosse uma pista de gelo.
Não sei até onde o tresmalhado calendário vai permitir o progresso das equipes, mas o Fluminense ter vencido o Campeonato Carioca teve um valor extraordinário para reaproximar o futebol à brasileira de si mesmo e descarregar das costas do técnico Fernando Diniz o peso de fazer bons trabalhos e não ter títulos no currículo.
Em meio a tantos “galalaus”, os melhores, ao longo de todos os tempos, ainda têm sido os Garrinchas, Pelés, Maradonas e Messis da vida, que, com pouco mais de seus metro e meio, nos salvam em tempos de força bruta.
Acredito eu que seria muito importante editar as imagens desses craques, para fins didáticos, nas divisões de base e, principalmente, nas escolinhas de futebol que se espalham País afora.
Outro ponto que chamou atenção nas últimas partidas foi a tendência de os jogadores assumirem o drible ao partirem para o ataque. Eles verticalizam o jogo em vez de, unicamente, trocarem passes laterais. O jogo ao vivo vai assim se assemelhando aos jogos eletrônicos. •
Publicado na edição n° 1256 de CartaCapital, em 26 de abril de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A volta dos três dedos ‘
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