Cultura

A volta do Bar Riviera

A primeira comemoração de título na Paulista, os porres de Chico Buarque e Mazzola, a “esculhambação” dos poetas: as histórias (ou lendas?) contadas pelo antigo proprietário do famoso bar

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No segundo semestre de 2005 (não me lembro exatamente a data), entrei ao fim da tarde num Bar Riviera às moscas e perguntei se por ali ainda trabalhava um certo Juvenal. O proprietário do bar, Renato Meniscalco, me recebeu com certo ar de enfado.

 

Disse que havia anos não tinha notícias do seu mais famoso garçom, que anos antes tinha sido retratado por Angeli nas tirinhas de Rê Bordosa, também inspirada, segundo a lenda, numa frequentadora daquele bar. O local não era sombra do bar que me era descrito. Vindo de Araraquara, interior de São Paulo, quatro anos antes, eu completaria naquele início de noite uma maratona em busca de personagens de uma São Paulo que me encantava e até então só conhecia pelos livros – naquele caso, os quadrinhos. Junto com os amigos Rodolfo Albiero e Vinícius de Oliveira, passei um ano montando nosso Trabalho de Conclusão de Curso em busca de personagens e lugares que haviam inspirado, anos antes, a literatura paulistana. Assim tentamos resgatar, talvez sem muito sucesso, os taxistas de Marcos Rey, os sinuqueiros de João Antonio, as Micaelas (hoje maria-chuteiras) de Alcântara Machado, os grevistas do Largo da Concórdia de Patrícia Galvão.

O livro-reportagem era fechado com as histórias que inspiravam os quadrinhos de Angeli. A ideia era contar o que havia acontecido com o bar que, anos antes, funcionava como ponto de encontro de estudantes, artistas, hippies e junkies famosos. Passei horas conversando com Meniscalco, mais simpático que à primeira impressão, e sua mulher, Ivone Bastos. Entre as histórias, descrições de como a Avenida Paulista foi invadida, pela primeira vez, por torcedores a celebrar conquistas no futebol – uma tradição a partir de então. E porres tomados ali por celebridades como Chico Buarque e Mazzola (ex-craque do Palmeiras) e Jânio Quadros, que Meniscaco contou ter expulsado na marra do local. Se eram lendas ou não, nunca pude conferir. Só não imaginava que aquela seria a última vez que encontraria Meniscaldo e sua esposa: pouco depois o bar fechou as portas, e nunca mais tive notícia deles.

Durante anos o antigo Riviera foi só um ponto esquecido na esquina da Paulista com a Consolação. Não vivi seu auge, mas o conheci a tempo, pensava comigo toda vez que passava por ali. Hoje, graças ao empresário Facundo Guerra e o chef Alex Atala, o Bar Riviera está sendo reerguido no mesmo local. Terá, ao que parece, a mesma velha fachada, o mesmo cardápio, o mesmo espírito. É uma grande notícia para uma esquina (a mesma do Cine Belas Artes) surrada pelos novos tempos, onde falta imaginação e sobram escapamentos. Por isso resolvi transcrever o capítulo do nosso TCC sobre o Riviera, concluído num já distante 2005. Eis a história:

 

Os frascos de esmalte e acetona passam de mão em mão enquanto a conversa entra em sua primeira hora da noite. No centro, ao lado direito do pilar, as mulheres andam entretidas nas novidades do catálogo da Avon. Só interrompem as falas quando a televisão, instalada no alto, conta as novidades colhidas durante a tarde. Do mais, silêncio em pleno happy hour. Ivone parece gripada. Tem o olhar pesado, transmite cansaço; espirra de um em um minuto. Mesmo assim, de quando em quando, acende um novo cigarro, retirado do maço de Cris, um travesti de longos cabelos loiros e unhas vermelhas. Joilma, a cozinheira, completa o trio. Sem muita tarefa até o momento, ela só se levanta da cadeira quando, após esparso intervalo, um cliente cruza a porta de entrada do Bar Riviera. Ele pede coca-cola, mas Joilma diz estar em falta na dispensa.

– Tem suco de caju?

– Temos.

Após o pedido, Joilma volta-se à mesa. Ivone Bastos, a proprietária, é quem se levanta agora. Pede licença às amigas e se dirige até o balcão, onde pouco ou nada mudou nos últimos 56 anos. A começar pelas cores, vermelho salmão e preto, moda nos anos 50. Nas prateleiras, garrafas de Bacardi, Cinzano, Campari, cachaças, uísques e vodkas. Canecas penduradas, fios desencapados e uma máquina registradora que só é aberta manualmente completam a decoração. A bebida é preparada no liquidificador, batida com Maguary e água. Só um canudinho sobre uma espessa espuma. O cliente agradece, mas não demora para virar o copo. Toma-o de pé. E se despede. As mulheres voltam à conversa.

O movimento segue nessa toada até as onze da noite, plena quinta-feira. Na esquina da Avenida Paulista com a Consolação, as pessoas andam dormindo mais cedo. Ao Bar Riviera, famoso ponto de encontro de boêmios políticos, boêmios artistas, boêmios estudantes e boêmios boêmios, restaram histórias e a luta de se manter em pé em meio ao mundo que se redesenhou à sua volta.

O novo ritmo da cidade veio impresso em novos sinais dos tempos. Estão por toda parte. Uma olhadela ao redor e eles podem ser facilmente captados. As dobras das imagens dos quadros, retiradas das páginas de jornais e colocadas nas paredes, estão envelhecidas. As pás vermelhas dos ventiladores estão desligadas. As mesas de toalha vinho quadriculada estão vazias e silenciosas, salvo o pequeno ruído de conversa de três frequentadoras naturais: a proprietária, a cozinheira e a amiga. Os azulejos azuis e paredes compostas de tijolo em vidro italiano já não encantam a clientela; parecem, quem diria, antiquados.

Os garçons, velhos conhecidos de antigos frequentadores, foram dispensados. Juvenal Martins, que durante mais de trinta anos deu o ombro para clientes ilustres chorarem depois de servir doses a mais, aposentou-se em 1993. Mudou-se para o interior, não se sabe exatamente aonde. Nunca mais deu notícias – uns dizem que morreu.

As escadas, quase caracol, que levam para o segundo andar – onde os clientes costumavam levar as mulheres para conversas mais reservadas – já não levam a lugar algum: o piso de cima, desativado, serve apenas para Renato Meniscalco tirar seus cochilos enquanto a esposa Ivone, de 49 anos, toma conta do empreendimento.


Renato está ali desde 1949, quando tinha apenas 18 anos. Veio a São Paulo três anos antes, junto com os pais, Ignácio e Amaglia Meniscalco, e dois irmãos. Revezava as horas de estudo – fazia psicologia – com o atendimento no balcão.

Só mais tarde descobriu que não haveria melhor divã para suas análises que as mesas à sua frente. Aos 74 anos e um vigor dado a poucos de sua idade – Renato tem um filho, Yuri, de dez anos, mais jovem que seus netos e quase trinta mais novo que sua primeira filha, do primeiro casamento –, conclui sem muita delonga que sua mais vasta experiência em mentes alheias ocorreu no Riviera. Por isso, é bom prestar atenção quando ele diz sentir que algo está mudando em seu país. De mudanças e de Brasil ele é entendido. Nos últimos 56 anos, viu nascer e morrer incontáveis movimentos, expressões, estilos, moda, modos de se pensar e se fazer entender, gírias, conversas, planos, alegrias, desalegrias.

Os representantes dos ventos soprados pela mudança não foram observados pela televisão ou pelo rádio, mas por uma janela de raios delimitados. Vieram a ele de modo particular, chamando-o pelo nome. Pedindo uma bebida e contando algumas histórias. Primeiro foram os estudantes de direito do Largo São Francisco, no centro. Iam até o Riviera para fazer contato, pois se dizia que por ali muitos juízes, ministros e desembargadores andavam tomando seus cafés, junto às tradicionais famílias dos Jardins. Ainda nos anos 50, as expressões sisudas dos frequentadores começaram a mudar. Instalado em lugar estratégico, um nó formado pelas rotas dos estudantes que voltavam à noite e a pé para suas casas – vindos de Mackenzie, São Luiz, FAAP, Cásper Líbero e do próprio Largo São Francisco – o Riviera logo se tornou parada obrigatória dos universitários. Depois, vieram os doidões. Hippies, punks, grunges, junkies – sempre à noite, em busca de vodka.

Ao movimento juntaram-se os artistas e ícones da época. Saíam da vizinhança – a Rádio e TV Tupi, a Gazeta, Canal Cinco, Teatro de Arena, Cine Astor e Cine Belas Artes, localizado exatamente em frente ao bar de Renato –, que desembocavam num entroncamento das rotas, a tal esquina da Paulista com a Consolação. A eles se somaram os políticos da época. Misturados num mesmo palco, fizeram do local um terreno fértil para a propagação de ideias, atos políticos, escolhas de lideranças estudantis, quiçá revoluções. Eram os anos 60, anos de chumbo após o golpe militar de 1964. A esquerda se reunia ali, debatia a poucos metros dos antigos membros da UDN e PSD, partidos de direita e centro direita vigentes até que o regime passou a dar as cartas. Poucos explicam por que no local jamais houve intervenção das autoridades policiais.

Para Renato, muito ajudou o fato de jamais ter se posicionado – até hoje, conta sem pudor nunca ter dado um passo além da segura linha do centro. Manteve-se neutro, já sabendo que entre as mesas de toalha vinho quadriculada andavam espiões do regime. Só lamenta a queda na freguesia após 1968. “Perdi metade dos meus clientes para o exílio”.

Em tempos de repressão, o Riviera era uma espécie de ilha em que se podia brincar de liberdade. Ir ali somente para cantar não era permitido: Renato não queria saber de bagunça de noite. Gente já de renome, como Elis Regina, Gilberto Gil e Chico Buarque entravam ali mudos e saíam calados. Mesmo assim, conter a “explosão atlântica”, como o último desses compositores chegou a chamar a sede de liberdade vivida no período, não era tarefa fácil. E ela vinha, muitas vezes, em forma de poesia. Frequentador assíduo do local já no final dos anos 70, o jornalista Walterson Sardenberg conta jamais ter se esquecido do dia em que viu o poeta Roberto Piva se pendurar no braço da escada para declamar poemas de teor anarquista. Os clientes vibraram, aplaudiram, enquanto o poeta, efusivo, parecia mandar uma banana às formalidades do período. “Era esse o clima da época: uma espécie de esculhambação geral”, explica Sardenberg.

Esculhambação parecia ser a palavra para explicar o acesso de liberdade aos que transitavam pelo Riviera. Num tempo em que não apenas Atos Institucionais constrangiam, mas também o moralismo de uma sociedade em transição, mandar tudo às favas era uma forma de se fazer notar.

No Riviera, era comum a presença de mulheres desacompanhadas. Na época, dizia-se de boca cheia que mulher desacompanhada, fosse artista ou reles mortal, era puta. Não se podia, em nome dos bons costumes. No Riviera, elas não só entravam sozinhas como saíam acompanhadas quando e com quem bem entendessem. Quando não se ouvia ainda falar em Aids, levavam a cabo o que a tendência inerente à palavra liberdade poderia supor: transavam com certa frequência. Bebiam vodka, fumavam e não se lembravam de como foram parar em casa no dia seguinte.

Algumas pintavam os cabelos, cobriam o rosto com imensos óculos escuros para disfarçar a brisa e não poupavam palavrões, sem admitir que ali houvesse vozes masculinas que falassem mais alto que elas. Ficaram conhecidas como junkies. Encontrar uma dessas em pleno banheiro masculino não era difícil; só para provocar, algumas urinavam em pé no mictório destinado aos homens. Foi ali, segundo a lenda, que o cartunista Angeli se inspirou para criar a sua mais famosa personagem, a Rê Bordosa. “O Riviera foi, talvez, o primeiro bar a receber mulher sozinha. Aqui, ninguém reparava no que elas faziam, ninguém condenava. Se estavam tristes, elas vinham aqui beber e chorar. Se estavam alegres, bebiam também. Eram muito bem-vindas”, conta Ivone.

No círculo de amizades de Walterson Sardenberg, havia uma junkie chamada Valéria que não raro se dirigia ao banheiro masculino para urinar. Bebia e fumava do momento em que acordava ao momento de se deitar. Dava trabalho, como se dizia na gíria. Mas se curou, ao que parece: enveredou também pelos lados da imprensa; casou, enviuvou, e hoje tem uma filha adolescente chamada Ana Lú. Por ironia, Ana Lú mora em São Paulo, gosta de Legião Urbana, Cazuza, Marlboro, festas (hoje chamadas de balada) e caipirinha.

Ivone admite: os tempos de liberdade hoje são outros. Não há inimigo comum, como nos tempos de moralismo e ditadura; se há, ele não tem rosto definido. As revoltas atuais, para ela, são outras: recaem sobre o excesso de compromisso. “Hoje em dia os adolescentes têm tudo pronto, tudo à mão. Têm milhares de compromissos, têm de estudar, passar no vestibular, pegar estágio para ser alguém. Não têm tempo para sentar na mesa de bar e pensar em seu país, porque a Rede Globo faz isso por eles. Essa sim é a verdadeira geração coca-cola”.

Além de espaço para chorar as mágoas nos tempos de repressão, o Riviera foi também durante muito tempo lugar de extravasar alegrias. Por isso, cada subida ao ataque de Pelé, Rivelino, Tostão, Gerson e Jairzinho contra a defesa do Uruguai, nas semifinais da Copa de 70, no México, era um novo calafrio em Renato Meniscalco. Com o ouvido colado no rádio, ele sabia que as jogadas executadas no gramado do estádio Jalisco de Guadalajara eram dores de cabeça extra em suas obrigações. Nas últimas rodadas, os torcedores andavam exaltados: encantados com o melhor time que a seleção brasileira conseguiu montar em todos os tempos, decretavam feriado na cidade ao fim das partidas e se dirigiam ao Riviera para beber e comemorar alegrias afogadas.

Com a vitória sobre os uruguaios por 3 a 1 e a classificação para a grande final, veio a confirmação. Chegou tanta gente que Renato se viu obrigado a fechar as portas e mandar boa parte da clientela embora para preservar a segurança dos que haviam conseguido entrar. Os que ficaram de fora não perderam a deixa: embebecidos pelos dribles e doses a mais, saíram às ruas, cantando e pulando. Tomaram a Avenida Paulista.

Quatro dias depois, quando o Brasil bateu a seleção italiana por 4 a 1 e se consagrou tricampeão de futebol, os clientes já não tinham esperanças de serem acolhidos no Riviera. Foram direto para as ruas, dando início à tradição de se comemorar feitos esportivos no corredor mais famoso da cidade.

Sentado, pernas cruzadas, o bigode peculiar e os cabelos já embranquecidos, Renato esbanja certo orgulho em dizer que foi testemunha de acontecimentos como este ao seu redor. É capaz de lembrar cada momento ali vivido, desde os primeiros casarões derrubados para dar lugar a prédios comerciais na região até o dia em que viu voltarem ao seu balcão clientes antigos que se tornaram famosos. Há cerca de dez anos – não se lembra exatamente da data – Renato muito estranhou quando viu a atriz Marília Pêra cruzar a porta de entrada do Riviera e se dirigir a ele pelo nome. De imediato, custou a entender de onde a moça da TV o conhecia. Mais tarde, conformou-se: era somente mais uma menina sentada há pouco numa de suas mesas, pensando no mundo, sonhando em se apresentar para o Brasil.

Psicólogo de balcão e mesa de bar, como gosta de dizer, perto dele alguns porres famosos aconteceram. Um deles, de um certo Mazzola, famoso centroavante do Palmeiras dos anos 50. Era um 6 de março do ano de 1958, quando São Paulo parou para acompanhar uma verdadeira batalha entre Palmeiras e Santos, no Pacaembu, pelo Campeonato Paulista. Em campo, a rivalidade se acirrava.

De um lado, o Palmeiras de Mazzola; de outro, o Santos de Pelé. Para muitos, o melhor clássico já realizado entre as duas equipes. No primeiro tempo, 5 a 2 para os visitantes. Provocados, os atletas alviverdes voltaram a campo para a segunda etapa na tentativa de reverter a situação – e o placar. Comandados por Mazzola, que jogou tudo o que sabia e mais um pouco, o Palmeiras virou para 6 a 5. A festa estava pronta, só esqueceram de avisar Pepe e Dorval. O ponta-esquerda santista marcou seu segundo gol e empatou a partida aos 38 minutos do segundo tempo. Dorval deu números finais ao placar. Vitória do Peixe por 7 a 6. Tragédia alviverde no Pacaembu.

Horas mais tarde, os jogadores do Santos entraram no bar Riviera para comemorar, algo que não chegou a irritar o proprietário, palmeirense até os ossos. Naquele tempo, o então presidente do Santos, Athiê Jorge Cury, tinha um apartamento na Paulista, onde hospedava seus melhores atletas. Estes vinham tomar café no Riviera. Pouco depois da partida, ninguém menos que Mazzola entrou no local. A imagem do cansaço em seus contornos. Com muito esforço, apenas acenou aos rivais – um sorriso sem-graça e quase malicioso. Sentou-se no balcão, pediu uma cuba libre, como de hábito. Saiu de lá com as pernas trançadas, quando não havia mais ninguém no balcão. Com olhos vermelhos de choro, andou pela rua, o dia quase amanhecendo: ainda inconformado com o placar adverso.

Quem também comoveu os frequentadores do Riviera com suspiros mais longos foi um certo compositor, famoso pelos olhos verdes e pela exatidão de sua tristeza presente em suas composições. Que não costuma demonstrar sentimentos em público. Em abril de 1982, na tarde em que enterrou o pai, Sérgio, foi até o Riviera afogar as mágoas. Sentou-se na mesa de sempre e pediu uma dose de Fernet, um dos bitters mais fortes da prateleira de Renato. Mesmo diante dos pedidos de Marieta, só parou de beber quando a voz já lhe escapava. Foi uma das poucas vezes que alguém viu Chico Buarque chorar em público. Em sua homenagem, ganhou um nome no menu, logo acima dos de Sá e Guarabira, Marília Pêra e Tom Zé. Daí o nome Hollanda para o sanduíche de pão-de-forma, queijo e tomate, vendido a quatro reais.

No Riviera, até mesmo a disposição das opções no cardápio guarda suas histórias, as quais Renato se esforça para que não sejam esquecidas. Não quer correr o risco de ser apenas um tradutor da forma oral de se contar causos. Quer registrá-los em folhas, modo que julga mais apropriado. O primeiro passo foi dado em 1986, ao perceber que muitos artistas e lideranças políticas da época, quando falavam de juventude, contavam ter passado boa parte de suas vidas sentados no bar Riviera. Renato comprou um livro de folhas brancas e capa de couro. Em seguida, passou a colecionar recortes de jornais, matérias sobre o bar e sobre o filme que rodariam por ali, o Besame Mucho, de 1986, de Francisco Ramalho Jr.

A convivência rendeu amizades com o elenco, formado por José Wilker, Antonio Fagundes, Gloria Pires, Paulo Betti, Isabel Ribeiro, Giulia Gam e Christiane Torloni. Desde então, montou uma espécie de calçada da fama em seus registros: todas as personalidades que chegavam numa das mesas deveriam deixar seus autógrafos e mensagens no “Livro de Ouro do Riviera”, como é chamado. Bem verdade, faz já certo tempo que ele não é assinado. Trancafiados em mesa de bar, certamente; mas nos bares de rua, comuns em São Paulo no interior dos bairros, como a Vila Madalena.

À região da Paulista com a Consolação ficaram os cinemas, alguns cafés e lanchonetes, além dos escritórios. Os boêmios andam hoje é pela vizinha Rua Augusta, onde há prostíbulos e bares mais movimentados e com néon. Já não há parada obrigatória no Riviera, nem a mesma gana para se falar do Brasil.

A geografia da cidade que deu as bênçãos ao Riviera hoje é outra. O local tem uma galeria de concreto erguida à porta do antigo bar, para travessia subterrânea de pedestres pela Consolação, já desativada, que encobriu o charme da velha entrada. O bar é aberto às 17 horas e fecha cedo, quase sempre à meia-noite. Dali em diante, a rua fica vazia. Antigamente, era aberto às nove e fechava somente por volta das cinco da manhã.

Renato Meniscalco está cansado. Pensa seriamente em fechar as portas e descansar. Dedica-se agora à composição de suas memórias: o relato de uma testemunha de um Brasil que se transformou. O making off já tem esboço, rabiscado por Ivone. Acostumada a ouvir do marido as histórias ali vividas, um dia ela se sentou numa das mesas do bar e começou a colocar as ideias no papel. Falta, porém, disciplina, segundo ela. A obra, por ora, está parada. Mas, pelo andar da carruagem, não faltará ao livro a poesia de outros tempos. O começo da história ela adianta: “O bar Riviera é o que era e sempre será o que foi”.

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