Cultura
A vida tem sons para a gente ouvir
Hermeto Pascoal, nascido em Alagoas, extraiu música de chaleiras, brinquedos e até da própria barba


Hermeto Pascoal tinha 89 anos quando morreu no Hospital Samaritano Barra, no Rio, em decorrência de falência múltipla de órgãos, no sábado 13.
Em muitos dos textos que se seguiram ao falecimento do multi-instrumentista, compositor e arranjador apareceu o epíteto “bruxo dos sons”.
A expressão tem origem na sensação que a sua capacidade de transformar praticamente qualquer objeto em instrumento musical deixava nas pessoas: aquilo parecia um poder quase mágico.
Nascido em Olho d’Água, Alagoas, em 22 de junho de 1936, ele foi um gênio intuitivo que, segundo o jornal O Globo, só começou a escrever partituras após os 41 anos, depois de ter uma trajetória consolidada.
Antes de se fixar no Rio de Janeiro, onde sua carreira deslanchou, especialmente a partir da década de 1960, Hermeto viveu no Recife e em São Paulo – onde fez parte do Quarteto Novo, ao lado de Airto Moreira, Heraldo do Monte e Theo de Barros.
Na década seguinte, ele daria um salto internacional, ao participar da gravação do álbum Live-Evil (1971), de Miles Davis (1926–1991). Atribui-se a Davis a definição de Hermeto como “o músico mais impressionante do mundo”.
Em 1982, ficou famosa sua performance com Elis Regina (1945–1982) no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça.
Nesse longuíssimo percurso, o artista gravou mais de 30 álbuns e compôs de forma profícua e diversificada.
Sem ter jamais se vinculado a um gênero específico, fazia música de todos os jeitos e com o que aparecesse na sua frente: panelas, brinquedos, canto dos pássaros, copo d’água e até mesmo o som de sua própria barba ao ser penteada. Ele gostava de dizer que isso que fazia se chamava “música universal”.
Sua contribuição para o ensino musical no País foi no sentido de defender o exercício da audição e da prática no lugar do ensino baseado em partituras.
A vitalidade de Hermeto Pascoal foi outro elemento muito presente nos obituários publicados.
Segundo os repórteres da área musical, ele seguia realizando shows. Havia, inclusive, feito uma turnê pela Europa e, poucos meses atrás, apresentou-se no Circo Voador, no Rio, em uma grande festa de aniversário.
Seu velório foi realizado na segunda-feira 15, na Areninha Cultural Hermeto Pascoal, no bairro de Bangu, no Rio de Janeiro, onde residia. •
Publicado na edição n° 1380 de CartaCapital, em 24 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A vida tem sons para a gente ouvir’
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