Cultura

‘A Saga’ é história grande demais para os livros e teses

Diretor e roteirista Manaoos Aristides pesquisou por 15 anos para realizar uma história rodada em 12 cidades

O ator João Vitti no trem em Porto União
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O diretor, produtor e roteirista Manaoos Aristides é o que se pode considerar um visionário. Em 1984, após deixar a Rede Globo, onde trabalhou durante sete anos como diretor e produtor, aceitou o desafio de fazer televisão no interior do Paraná. O projeto era a recém-instalada TV Tarobá, uma afiliada da Rede Bandeirantes, que dava seus primeiros passos em Cascavel, oeste do estado.

Manaoos, como diretor de produção e criação, não hesitou em levar toda sua experiência para um Brasil distante, afinal, fazer arte longe dos grandes centros não era uma tarefa estranha em sua vida. Estudou Artes Cênicas na Universidade Federal do Amazonas e no Teatro Amazonas, em Manaus, onde também foi diretor da TV Educativa.

Logo que chegou a Cascavel, o cineasta levou a sério a máxima de que “a arte imita a vida”. Encantou-se com a história da região, colonizada por aventureiros, homens em busca de uma vida melhor e dispostos a enfrentar todos os seus percalços. Uma terra de ninguém que precisava ser rasgada a qualquer preço.

Cena de Cena de ‘A Saga’

Foi quando resolveu apostar num projeto ainda mais ousado: levar a história para o cinema.  O desafio era hercúleo. A começar pelas dificuldades técnicas para uma produção dessa envergadura. Fora do eixo Rio-São Paulo, fazer cinema era uma missão quase impossível. Além da criatividade, foi preciso reorganizar e criar cidades cenográficas em locais de difícil acesso, com pessoas sem nenhuma experiência em cinema e que ofereciam apenas vontade e muita garra. “Tive que esperar três anos para gravar uma única cena que envolvia uma locomotiva e estava a mais de 400 quilômetros de Cascavel.”

No projeto de pesquisa, realizado em parceria com o escritor Alceu Sperança, autor do livro A Pequena História de Cascavel, e o professor e doutor em História, Vander Piáia, Manaoos constatou que a realidade daquela gente tinha raízes ainda mais profundas.

Cena de Cena de ‘A Saga’

Foz do Iguaçu, mundialmente conhecida pela beleza de suas cataratas, uma das sete maravilhas da natureza localizada a cerca de 100 km de Cascavel, fora descoberta em 1541 pelo conquistador espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca. Oficialmente fundada em 1914, a cidade depois receberia a visita de Santos Dumont, um dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Iguaçu.

Em 1924, a coluna Prestes, comandada pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes, descansa à beira do rio Iguaçu antes de seguir viagem. Sem contar episódios de violência e disputas pelas terras, com o envolvimento de grileiros, jagunços e posseiros; as pequenas revoltas localizadas; os cabarés, os romances proibidos e seus legados. Era muita história para ficar guardada apenas em livros e teses acadêmicas.

Nos próximos quinze anos, Manaoos se encarregaria de escarafunchar milhares de páginas de livros, revistas e jornais, de entrevistar centenas de imigrantes que foram personagens vivos dessa epopeia. No início da década de 1990, além do trabalho de pesquisa, ele apresentou um projeto para pleitear recursos pela Lei Sarney. Em vão. O governo Collor de Mello já havia se encarregado de afundar as estruturas de financiamento do cinema brasileiro, inclusive com a extinção da Embrafilme.

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Em 1999, finalmente começam as filmagens. Nascia A Saga, a história de uma importante região do Paraná contada a partir de fatos que contribuíram para sua formação. Sem recursos, Manaoos, além de diretor e roteirista, foi produtor. “Fui bancando com recursos próprios. Não tive um centavo de financiamento ou apoio cultural privado ou oficial. Vendi carro, casa, terrenos, tudo o que havia construído em termos de patrimônio para realizar um sonho.” Em valores atuais, o custo estimado é superior a 2 milhões de reais.

A produção teve a participação de mais de 5 mil pessoas, entre atores, técnicos e figurantes. No elenco, estão Roberto Bomtempo, Gabriela Alves, Olga Bongiovani, Raymundo Souza, João Vitti, entre outros, além dos paranaenses Emílio Pitta, Carlos Vilas Boas, Claudete Pereira Jorge, Inezita De Mari e Débora Santos.

As cenas foram rodadas em 12 cidades. Em cada uma, além do debate e exposição do tema com a população, era realizada uma oficina de atores para selecionar figurantes. Numa delas, Ponta Grossa, um jovem chamado Igor Rickli se apresentou e ganhou seu primeiro papel. Atualmente faz parte do elenco da TV Globo. Em 2010, Manaoos finaliza sua obra e desde então busca espaço para mostrar seu trabalho. Agora, enfrenta as dificuldades pelo descaso e falta de política públicas voltadas à cultura.

Roberto Bomtempo em cena do longa Roberto Bomtempo em cena do longa

Foram mais de 200 horas de gravações que resultaram em 16 episódios de uma hora cada um. No Paraná, apresentou ao governador Beto Richa um projeto que adormece nas gavetas da secretária estadual de Cultura. A proposta de Manaoos é retornar aos municípios onde foram rodadas as cenas para mostrar e discutir com a população o trabalho onde eles próprios são personagens.

“Meu sonho é poder levar esses episódios a todas as escolas. Mostrar um pouco da nossa história às crianças, jovens e adolescentes. Temos uma cultura riquíssima que não pode ficar apenas nas prateleiras das videotecas” afirmou. A primeira grande experiência virá ainda nesse mês, a partir do dia 29 de junho, quando o seriado completo será veiculado pela TV Brasil, em rede nacional.

Embora as dificuldades não tenham regredido, Manaoos continua a sonhar. Já elabora novos projetos, mas sabe o que vai enfrentar. Para ele, os entraves burocráticos são muitos, a começar pela estrutura dos editais elaborado pela Agência Nacional de Cinema – Ancine. “Os editais saem de Brasília com temas e propostas definidos. Deveria ser o oposto. O Brasil é muito grande e as realidades são as mais diversas possíveis. O correto seria cada diretor, produtor, apresentar seu projeto e a Ancine discutir e decidir entre os melhores” afirmou.

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