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A revolução musical vinda do Harlem

‘Summer of Soul’ exibe a ideia de representatividade, hoje Tão temida pelos fracos, na forma de arte e beleza

A revolução musical vinda do Harlem
A revolução musical vinda do Harlem
Anos 1960. O filme condensa um momento de excelência da música afro-americana - Imagem: Searchlight/Onyx Collective
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Revoluções podem ser violentas, sanguinárias e querer mudar tudo em um só golpe ou acontecer de forma gradual, produzindo efeitos permanentes. Summer of Soul foi, como afirma o subtítulo, uma revolução que a tevê não mostrou. Nem por isso o evento, resgatado no documentário que tem causado comoção por onde passa e é forte candidato ao Oscar, deixou de mudar a história.

O filme, dirigido pelo multiartista Questlove, estreou nos cinemas brasileiros na quinta-feira 27 e também pode ser visto online, no TeleCine.

Summer of Soul é, principalmente, o ressurgimento de imagens captadas pelo produtor de tevê Hal Tulchin, do ­Harlem Cultural Festival. O grande evento musical ocupou, durante seis fins de semana do verão de 1969, um parque na região onde se concentram as comunidades negra e latina de Nova York.

Mais tarde, as imagens foram oferecidas a canais de tevê, mas não despertaram interesse. Na mesma época, os registros do festival de Woodstock receberam uma visibilidade que culminou na conquista do Oscar de documentário em 1971.

A ressurreição do material revela não só o valor cultural e histórico do festival do Harlem como mostra o efeito concreto das ações afirmativas. E permite refutar arautos do retrocesso que associam políticas de identidade a “racismo reverso”, pressupondo que lutar a favor de um grupo implica a vontade de destruir outros.

A primeira impressão de Summer of Soul é de filme-concerto: uma sucessão de apresentações arrepiantes de grandes artistas no apogeu. De Stevie Wonder a Nina Simone, passando por ­Mahalia ­Jackson, The 5th Dimension, Gladys Knight &The Pips e Sly and the ­Family Stone, o filme condensa um momento de excelência da música afro-americana.

O registro, no entanto, ultrapassa o entusiasmo nostálgico ao explicitar o significado político do festival. Sua rea­lização, no ano seguinte ao do assassinato de Martin Luther King e em meio à fervura social, ajudou a controlar a pressão que poderia estourar em violências.

Ao mesmo tempo, é a ideia de representatividade, hoje temida pelos fracos, que o filme exibe na forma de arte e beleza. Historicamente acuados pelo racismo e por modos variados de exclusão social, os pretos do Harlem tiveram ali um momento de espelho.

Crianças, jovens e adultos viram naquela sucessão de irmãos e irmãs multitalentosos uma exibição de poder, alimentada por um espírito que canta, dança, brinca, veste-se, penteia-se, ora e crê de modos comuns.

Seria exagero achar que ali emergiu um movimento identitário, cujas raízes vêm de muito longe. O que não dá para não enxergar são os sinais afirmativos emitidos do palco sendo captados por todos os presentes na plateia. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1193 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A revolução musical vinda do Harlem”

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