Cultura

A representatividade feminina (ainda) não chegou às telas de cinema

Há poucas mulheres na linha de frente da indústria do cinema e as personagens não retratam a realidade

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O Dia Internacional da Mulher, marcado, primordialmente, por discussões quanto aos índices de violência e aos projetos políticos que ameaçam os direitos das mulheres, sempre se torna também um momento de atenção à atuação e representação feminina no mercado de trabalho. Da ciência à cultura, a situação ainda não é de pé de igualdade para elas.

Nem no cinema a conjuntura avançou, mesmo com os constantes levantes em prol da diversidade. Em 2015, surgiu o #OscarsSoWhite, que criticava a ausência de negras e negros no maior prêmio da indústria cinematográfica. Em 2017, vieram à tona as expressões #MeToo e Time’s Up, contra o assédio sexual, motivado pelo escândalo envolvendo o produtor Harvey Weinstein.

Mas os problemas que concernem às mulheres na indústria do cinema ainda são muitos. Afinal, onde estão as diretoras e roteiristas? Quando as mulheres ganharão o mesmo salário que seus colegas de profissão? E será mesmo que as personagens nas telinhas fazem jus à realidade?

Como medir representatividade

A comunidade feminista, atenta à representatividade que as mulheres teriam no cinema, criou há alguns anos um teste com o objetivo de medir este artifício. Popularizado de Teste de Bechdel, em homenagem à tirinha de 1985 Dykes To Watch Out For, da cartunista Alison Bechdel, um filme deve atender a três requisitos: 1) ter duas mulheres; 2) que conversem entre si; 3) sobre algo que não seja um homem.

A tirinha Dykes To Watch Out For, de 1985, da cartunista Alison Bechdel

Parece simples. Mas é surpreendente a quantidade de filmes que não atendem a esses três pequenos requisitos. Apesar de 11 dos que ganharam o prêmio de Melhor Filme do Oscar ao longo dos 91 anos de premiação não constarem no site do teste, o resultado ainda é acirrado: 34 dos filmes restantes passam no teste e 35, não.

Eis uma curiosidade: 14 filmes da Barbie passam no teste de Bechdel

Para a jornalista Luísa Pecorá, autora do site Mulher no Cinema, o teste de Bechdel é apenas um primeiro filtro, mas que não garante uma medida absoluta se o filme tem uma representação de qualidade das personagens.

A jornalista ainda diz não acreditar em um teste ideal que possa garantir a presença das mulheres na indústria. Em sua opinião, “cada caso é um caso”.

Já Corrina Antrobus, fundadora do Bechdel Test Fest, evento que celebra os filmes que passam o teste, disse em entrevista que a melhor opção de testar os filmes seria a partir de análises de interseccionalidade. Isto é, o teste teria que medir como os filmes mostram mulheres de todas as cores, sexualidades e religiões.

Enquanto este dia não chega, ao menos é possível contar com iniciativas que incentivam a representatividade como um fator determinante ao escolher um filme para assistir. Foi assim que pensou a sueca Ellen Tejle ao criar o A-Rate Test, um movimento para que distribuidoras e críticos de cinema “adesivem” se o filme passa o teste de Bechdel.

Mas a sueca foi além. Ela atribui ao movimento A-Rate o teste Chavez-Perez, criado pelo escritor também sueco Inti Chaves-Perez, similar ao Bechdel, mas com o objetivo de identificar racismo. Os três critérios que o filme deve cumprir também são simples: 1) há duas pessoas não-brancas no filme; 2) que conversam entre si; 3) sobre algo além de um crime.

Por trás das câmeras

Na história dos 91 anos de Oscar, apenas 1 mulher teve um filme premiado na categoria de Melhor Filme e ganhou o prêmio de Melhor Direção. Ela foi Kathryn Bigelow, em 2008, por “The Hurt Locker”. Aos curiosos: não, o filme não passa no teste de Bechdel. E por um motivo simples: não há nenhuma mulher no filme.

O caso de Bigelow, no entanto, é exceção à regra. Ao menos, é isso que os números mostram. O relatório Gender Bias Without Borders, que se propõe a analisar a representatividade feminina na indústria cinematográfica dos 11 países mais ricos do mundo, mostra que quanto mais diretoras e roteiristas na linha de frente, maior a presença de personagens femininas.

Cresce 6,8% a participação feminina nos filmes quando ele é dirigido por uma mulher e 7,5% quando é roteirizado por uma mulher

Chama atenção também no relatório a discrepância de representatividade entre os países analisados. Principalmente quando é analisada a quantidade de diretoras, roteiristas e produtoras nas produções exclusivamente norte-americanas ou britânicas e nas produções conjuntas dos dois países:

A primeira coluna indica a quantidade de diretoras presentes nas produções analisadas no país de cada linha; a segunda coluna indica a quantidade de roteiristas; a terceira coluna indica a quantidade de produtoras e a quarta coluna indica a quantidade de homens que existem em relação à quantidade de mulheres para cada país. (Fonte: Gender Bias Without Borders)

A aposta do relatório para a queda de mulheres na indústria cinematográfica norte-americana é a concentração de filmes de ação, gênero do qual as mulheres normalmente também não fazem parte.

Quem são elas nos filmes?

A noção das mulheres nos filmes de ação também têm sofrido pressões. Em 2017, a DC lançou “Mulher Maravilha” e foi sucesso de bilheteria. Em uma tentativa de aproximar as espectadoras feministas do cinema, a Marvel lançou na véspera do Dia Internacional da Mulher “Capitã Marvel”.

Dentre as críticas das personagens femininas em filmes de ação, está a objetificação das personagens a partir de direções focadas nos corpos das atrizes e de uma possível sexualização por conta dos frequentes curtíssimos figurinos.

Na análise de Pecorá, as duas personagens acabam sofrendo muito escrutínio da crítica por serem as únicas a incorporarem o discurso hoje em dia. “A única coisa que combate o estereótipo é a variedade”, defende.

O relatório Gender Without Borders também se preocupa em analisar como se dá a aparência feminina nos filmes. Os critérios são a sexualização, a nudez, a atratividade e a magreza. No EUA, o último item vence – 38,5% das mulheres retratadas são necessariamente magras.

Outro fator também atenta preocupação no relatório: a sexualização de mulheres novas, de menos de 18 anos, é a mesma de mulheres entre os 25 e 40 anos.

Por outro lado, a indústria cinematográfica dá prazo de validade às suas atrizes. Até Meryl Streep, uma das atrizes hollywoodianas mais cobiçadas, defende a tese. Em 2006, questionou no Festival de Cinema de Veneza: “Que filmes você assiste que tenham papéis sérios para protagonistas de 50 anos?”

Outra discrepância o relatório faz questão de chamar atenção: as mulheres trabalham mais no mundo real do que no mundo ficcional:

(Fonte: Gender Bias Without Borders)

Não menos importante do que a quantidade de personagens que trabalham são em quais profissões elas atuam. O mundo cinematográfico não aparenta se preocupar com as mulheres em posições de poder ou de prestígio.

Nos filmes analisados, 90% dos políticos eram homens. E 0% delas eram sócias de escritórios de advocacia.14,8% eram médicas, 9,1% eram advogadas, e apenas 5% eram juízas, 5% eram professoras e 4% eram atletas.

A jornalista Luísa Pecorá enxerga a falta de representatividade como uma falta de oportunidades e usa o exemplo do Oscar como uma premiação que não combate este problema porque é apenas um reflexo da indústria comercial americana. “Uma vez que a indústria muda, o Oscar muda junto”, defende.

A autora do site Mulher no Cinema ainda explica que a desigualdade de gênero no cinema, além de ser uma consequência de uma desigualdade de gênero social, está presente em praticamente todos as indústrias cinematográficas mundiais, mesmo no cinema independente.

Para ela, a solução é o investimento em recursos como financiamento e distribuição em filmes feitos por mulheres, uma vez que elas, ao estarem em posições de poder, melhoram a quantidade e qualidade das suas personagens. “O motivo pelo qual elas não estão lá [Oscar, Cannes, Sundance] é porque esses filmes não são feitos”, questiona.

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