Cultura

A recriação documental nas imagens de Miguel Rio Branco

O fotógrafo viu nos índios a grandeza brasileira, perdida em meio à devastação ditatorial

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Recriação da realidade. Poesia documental. A história da fotografia não limita o trabalho de Miguel da Silva Paranhos do Rio Branco, o Miguel Rio Branco, a uma definição que o aprisione. Filho de diplomata, neto do desenhista J. Carlos, bisneto do Barão do Rio Branco, tataraneto do visconde do Rio Branco, o artista caminha, como poucos, na direção da independência interpretativa.

Sua fotografia se desenha na extrema sensibilidade em relação à cor, às sombras e aos reflexos, intuídos pela pintura que um dia exerceu. Até sábado, dia 1°, cem de suas imagens, expostas pelo curto período de um mês, neste 2016 em que o artista completa 70 anos, ensinam algo sobre a dura existência na Amazônia corrompida.

Seu tema, em Barro, é o brasileiro, do índio caiapó da aldeia de Gorotire, que ele detectou no sul do Pará, nos anos 1980, aos mineradores de Serra Pelada e àqueles destituídos de sua paisagem, devastada pelas queimadas. Ao regressar ao País, após uma temporada vivida em Nova York, junto à família do pai diplomata, ele sentiu a necessidade de buscar pelo universo intocado dos indígenas.

“Na minha volta, em 1967, encarei uma realidade violenta, escrota, desleixada”, diz em entrevista a CartaCapital. “Eis por que comecei a pensar o que seria um Brasil mais interessante. Eu o vi nas aldeias indígenas, naquele habitante que, em contato com a natureza, guardava a riqueza de sua sociedade.” Suas fotografias começaram documentais para alcançar um novo patamar, ligado às origens universais do homem.

Barro – Miguel Rio Branco
Anexo Millan. Rua Fradique Coutinho, 1416, São Paulo-SP, tel. 3031-6007 

“Muitos no Brasil dos anos 1970 e 1980 quiseram documentar a realidade. Eu era um fotógrafo formado na pintura e no cinema, e fui documentar. Aliás, talvez seja a hora de todos voltarem a fazer isso, com o Brasil do jeito que está, mas todos agora são artistas… Aos poucos, percebi que estava em uma guerra totalmente diferente. Não sou um fotojornalista. Desde 1983, meu trabalho, que era ligado a uma documentação pessoal, tornou-se uma interpretação da realidade. Eu mesmo edito, construo as imagens, para criar um novo discurso. Não estetizo, não vivo do deleite da foto que fiz, não é o que me interessa.”

Seu trabalho tem um lado crítico e duro, revestido de atitude poética. “Ninguém vive só de dor.” Em uma sala de exposição da galeria, é projetado o curta-metragem Sob as estrelas, as cinzas, no qual ele refaz seus registros dos anos 1980 a partir da visão das estrelas do deserto do Atacama e das fotografias da seção policial do jornal O Povo na rua.

As fotos se sucedem na exposição com seu inusitado alcance. Em 1990, a imagem de dois índios caiapó de Gorotire, com ornamentos de penas vermelhas, a correr durante um ritual típico, havia aparecido na capa do disco The Rhythm of the Saints, do músico americano Paul Simon.

O políptico Barro, nunca apresentado antes no Brasil, combina elementos e cenários expostos em dezoito imagens. Um díptico (com fotos de 1983 e 2016) explica seu entendimento de universalidade. Mostra uma índia a exercer sua maternidade gloriosa, enquanto uma escultura representa o mesmo tema.

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