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A reconstrução a partir das ruínas

O musical Museu Nacional [todas as vozes do fogo] propõe um mergulho na formação e nas memórias do Brasil

Cerca de 20 canções alinhavam o texto de Vinicius Calderoni - Imagem: Daniel Barbosa
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Quando viu, em setembro de 2018, o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, arder em chamas, Vinicius Calderoni teve a sensação de que aquelas labaredas e cinzas sintetizavam um certo estado de coisas.

“Estávamos sob o governo Temer e o ministério da Cultura tinha sido extinto (e recriado) naquele ano. Quatro dias depois do incêndio, o Bolsonaro seria esfaqueado”, enumera o autor e diretor de Museu Nacional [todas as vozes do fogo], espetáculo musical que estreou na sexta-feira 14 para uma curtíssima temporada no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. “Aquela imagem era o cartão-postal de um país em abandono.”

Calderoni pensou, à altura, em criar uma performance a partir do incêndio que tornou pó boa parte dos 20 milhões de itens do acervo. Mas a centelha se apagou. Foi apenas em 2020, antes de a pandemia eclodir, que, em uma conversa com a criadora da Cia. Barca dos Corações Partidos, a ideia retornou.

O diretor tinha reestreado, naquele momento, Sísifo, peça escrita em parceria com Gregório Duvivier e que tem, na cena final, uma referência a um “museu das nossas vergonhas”. Em meio aos vários destroços mencionados no texto estão Brumadinho, Mariana e o Museu Nacional. “Aquela imagem tinha permanecido em mim”, diz.

Entre o fechamento dos teatros, por conta das medidas sanitárias, e a viabilização econômica do projeto, quase dois anos se passaram. No fim de 2021, ­Calderoni, em conjunto com a Cia. ­Barca, que celebra uma década este ano, mergulhou no processo que esta semana encontra o público.

“Quando comecei a entrar mais profundamente no assunto, foi me dando um certo desespero”, confessa o autor, que tem escrito também longas-metragens, séries e fez um podcast. “O Museu Nacional é um assunto sem contorno.”

O contorno – ou talvez seja melhor dizer esboço – delineou-se a partir de cerca de 20 canções e de um mergulho na formação do Brasil. “Tem uma cena que é um jantar oligárquico, onde estão reunidos todos os atores brancos”, descreve, como se tentasse ele mesmo capturar os sentidos do que foi sendo construído. “A contranarrativa aparece por meio dos atores negros e da atriz indígena.”

A narradora da peça é Luzia, o esqueleto de uma mulher de traços afro-indígenas, com mais de 11 mil anos, descoberto em Minas Gerais, cujo crânio resistiu ao fogo. “Acho que passamos tanto por um processo teatral quanto por um processo civilizatório”, define Calderoni. “E uma das perguntas que nos fazíamos era: como construir a partir das ruínas.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1230 DE CARTACAPITAL, EM 19 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A reconstrução a partir das ruínas “

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