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A natureza e seus sentidos ocultos

Um livro ganhador do mais importante prêmio científico do Reino Unido revela as habilidades sensoriais de diversos animais

A natureza e seus sentidos ocultos
A natureza e seus sentidos ocultos
Mundos. O autor revela como o ruído no oceano prejudica a comunicação entre as baleias e o quanto o ato de farejar por duas semanas melhora o humor dos cães – Imagem: iStockphoto
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Por que a lula gigante tem olhos do tamanho de uma bola de futebol? Por que mais de 350 espécies de peixes produzem eletricidade? Por que os cães ficam mais bem-humorados depois de ­duas semanas farejando bastante?

Os mistérios e milagres dos sentidos dos animais são revelados na obra vencedora do prêmio Trivedi para livro científico da Royal Society, a academia científica do Reino Unido, que já deu bolsas e prêmios aos mais ilustres cientistas de diferentes áreas.

Um Mundo Imenso – Como os Sentidos dos Animais Revelam os Reinos Ocultos ao Nosso Redor, de Ed Yong, recém-lançado no Brasil, explora, de forma épica, o entorno particular de criaturas que vão desde percevejos até sapos cantores e que percebem o mundo de maneiras muito diferentes de nós, humanos. A obra funciona também como um apelo a uma maior empatia com outras espécies.

“Nossa maior habilidade sensorial é a capacidade de pensar sobre os mundos sensoriais de outros animais”, diz Yong, um jornalista especializado em ciência que, em 2021, ganhou o Prêmio Pulitzer por sua cobertura da pandemia de ­Covid-19 para a revista The Atlantic.

Elogiado pelo presidente do júri da Royal Sociaty de 2023, Alain Goriely, professor de Modelagem Matemática na Universidade de Oxford, por “tornar as complexidades da percepção animal acessíveis e fascinantes”, Yong inicia seu “triunfo da narrativa científica” com visitas aos laboratórios de biólogos que, em todo o mundo, se dedicam a estudar a sensorialidade.

“Esse trabalho é também uma tentativa de fazer com que nos coloquemos no lugar de criaturas que são muito diferentes de nós.”

Ao mostrar que os sentidos dos animais não são apenas perfeitamente adaptados a seus ambientes, mas podem, inclusive, impulsionar a evolução, os trabalhos desses pesquisadores revelaram mundos ocultos – e fascinantes.

A capacidade dos primatas de ver as cores vermelhas, muito provavelmente, os ajudou a encontrar frutos comestíveis e folhas tenras da floresta tropical. Mais tarde, no entanto, muitos grandes primatas desenvolveram manchas na pele, que podem adquirir o tom avermelhado, para enviar sinais – geralmente sexuais – uns para os outros.

Já os olhos da lula gigante evoluíram até o ponto de se tornarem grandes o bastante para detectar um de seus maiores inimigos, os cachalotes, nos momentos em que colidem com águas-vivas que emitem lampejos bioluminescentes no oceano escuro.

Ao longo de sua carreira na The ­Atlantic, Yong entrevistou todos os tipos de cientistas. Mas os biólogos sensoriais são seus preferidos.

“Há um número surpreendente de biólogos sensoriais que são neuroatípicos – eles têm algo como daltonismo (não identificam corretamente as cores) ou prosopagnosia (não identificam rostos)”, contar o autor. “Essa maneira fora do ‘normal’ de vivenciar o mundo pode ajudá-los a ter mais empatia com outras criaturas que têm essas experiências. No cerne deste livro, estão coisas como curiosidade e empatia, além da compreensão e valorização dos animais por si mesmos. Esse trabalho é também uma tentativa de fazer com que nos coloquemos no lugar de criaturas que são muito diferentes de nós.”

A pesquisa moldou, por exemplo, a forma como Yong criou o próprio cão de estimação, Typo, um corgi. O autor, a certa altura, soube de um estudo que descobriu que os cães ficam de melhor humor quando recebem, por duas semanas, tarefas de farejar – eles progridem quando podem utilizar plenamente seu poderoso olfato.

Mas Um Mundo Imenso não é só sobre animais. O livro também revela que os humanos possuem sentidos mais incríveis do que imaginamos. Nossa visão é boa, embora seja superada pelas de moscas assassinas e aves de rapina; nossa capacidade de detectar fontes sonoras também é respeitável, ainda que muito inferior à das corujas e dos gatos.

E, assim como os animais, podemos desenvolver de forma profunda os nossos sentidos. O autor conhece um estadunidense cego que se movimenta “clicando”, usando a ecolocalização – um sistema de sonar, associado a morcegos e golfinhos, que é disparado quando um animal emite uma onda sonora que rebate um objeto, fornecendo informações sobre distância e tamanho.

Narrativa científica. Ed Yong, ganhador do Pulitzer por sua cobertura da pandemia, explica, por exemplo, o que permite que mais de 350 espécies de peixes produzam eletricidade – Imagem: iStockphoto

O livro de Yong carrega uma mensagem importante sobre o quanto a nossa incompreensão dos mundos sensoriais de outros animais é extremamente destrutiva. A poluição sonora e luminosa generalizada em um planeta antropogênico está tendo um impacto cada vez maior nas populações animais.

Estudos demonstraram que as luzes LED são especialmente prejudiciais para morcegos e insetos. Flores iluminadas por luzes fortes recebem 62% menos visitas de insetos polinizadores.

Yong revela ainda que o ruído de baixa frequência nos oceanos aumentou 32 vezes desde a Segunda Guerra Mundial, devido ao transporte marítimo global, prejudicando a capacidade de comunicação das baleias. Os cientistas também demonstraram o impacto negativo do ruído do tráfego sobre morcegos e aves.

“Estes são grandes problemas sociais que exigem grandes soluções sociais”, diz o autor. Ele mostra, ao mesmo tempo, que grande parte da poluição sonora e luminosa pode ser melhorada com ajustes simples e práticos. Se trocarmos as luzes LED de tons azuis/brancos para vermelhos, por exemplo, elas se tornarão menos prejudiciais para morcegos e insetos. E foi demonstrado que a redução da velocidade dos navios em apenas 12%, no Mar Mediterrâneo, reduz pela metade o ruído dos motores no mar.

Um Mundo Imenso. Ed Yong. Tradução: Christian Schwartz. Todavia (544 págs.,129,90 reais) – Compre na Amazon

“O que há de maravilhoso na poluição sensorial é que essas soluções são possíveis, potencialmente rápidas e eficazes”, diz Yong. “Mesmo que parássemos todas as emissões de gases de efeito estufa amanhã, a mudança climática ainda teria um impulso descontrolado, mas a poluição sonora e luminosa simplesmente desaparece se apertarmos um interruptor ou reduzirmos o ronco de um motor.”

Compreender melhor como outros animais percebem o mundo também pode resolver problemas ambientais. Foi demonstrado que reproduzir sons de recifes saudáveis sob a água atrai filhotes de peixes de volta a recifes que ficaram desertos após episódios de branqueamento de corais. “Obviamente, para salvar os recifes de coral, temos de pôr fim às alterações climáticas. Mas compreender a vida sensorial de outras criaturas nos dá opções para preservar melhor a natureza”, diz Yong.

No entanto, infelizmente, a redução da poluição sonora e luminosa não está nem perto da agenda política.

“É compreensível que não esteja na agenda política, porque não é um problema visceral como uma praia infestada de plástico ou produtos químicos saindo de uma chaminé”, admite Yong. “Luz e som não geram o mesmo tipo de repulsa. A luz, especialmente, parece algo totalmente bom – queremos mais luz em nossas vidas; luz é conhecimento, segurança, beleza e bondade. Portanto, apenas aumentar a consciência de que estes são problemas que poderiam ser resolvidos é um primeiro passo importante, e espero que meu livro leve mais pessoas a dá-lo.” •


Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1313 de CartaCapital, em 05 de junho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A natureza e seus sentidos ocultos’

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