Cultura
A música caipira e a viola sobrevivem fora do mundo pop
Primeiro registro de música rural brasileira completa 90 anos com seu predecessor longe das raízes
A música caipira teve um grande marco há exatos 90 anos, com a primeira gravação oficial do gênero feita pelo folclorista Cornélio Pires. A partir de 1929, ele registrou em uma série de discos de 78 rotações sonoridades de representação típica rural já existentes, como modas de viola, cateretês, cururus.
Ivan Vilela, músico e um dos maiores estudiosos no país do gênero, conta que nos anos 1940, impulsionado por Getúlio Vargas, começou-se uma campanha de ocupação do oeste do país, copiando o modelo adotado nos Estados Unidos décadas anteriores.
“A ideia (dessa ocupação) era estabelecer-se com o gado. As letras das músicas caipiras então deixam de ter temáticas agrícolas para adotar temáticas pastoris. E o termo também muda para sertanejo.” Essa mudança, segundo ele, estaria ligada a uma visão mais comercial do gênero na época, mas ainda de forma incipiente no mercado fonográfico.
Três décadas depois o sertanejo passou a sofrer forte massificação promovida pela indústria do entretenimento.
“Nos anos 1980, começando com Chitãozinho e Xororó, as gravadoras trouxeram a música romântica para o sertanejo. Esse sertanejo romântico dura até a Era Collor.”
Vilela, que é autor de um livro que perpassa o assunto, a obra Cantando a Própria História – Música Caipira e Enraizamento (2013), lembra que já nas décadas de 1960 e 70, produtores fonográficos da época começaram a dar ênfase na música caipira a temas como “a saudade das pessoas”, minimizando sua origem de crônica rural.
“A música caipira narra o cotidiano. Foi uma maneira que as pessoas pobres dos rincões encontraram para registrar o seu dia a dia. Mas ela começa a virar uma música anacrônica, não do cotidiano que existe, mas que existia.”
Chitãozinho e Xororó acrescentaram guitarras e baixos e deram o primeiro grande salto do sertanejo rumo ao pop, aproximando-se do country americano
Na virada do século, o gênero se distancia cada vez mais de suas origens, ganhando formato longe do tradicional ponteio típico da viola (instrumento musical central da cultura caipira) de cantos de linguística própria e de temática eminentemente rural, e se aproxima do pop, ganhando o nome comercial de sertanejo universitário.
“Na medida que o pop começa a dar outra configuração à música, ou o sertanejo muda ou desaparecerá. O interessante é que a temática atual é oposta ao sertanejo romântico: é o cara que dá o cano na mulher, vai embora por que a fila anda… Mas isso uma hora vai acabar.”
Movimento da viola é ainda forte
O mineiro Ivan Vilela é um exemplo da força da música caipira na identidade musical brasileira. Tem um trabalho extenso nessa área.
“O movimento da viola é ainda muito forte. Só em São Paulo há mais de 130 orquestras de viola, envolvendo diferentes tipos de pessoas e classes sociais.”
Ele próprio foi idealizador, diretor e arranjador de orquestra de viola em Campinas, onde viveu e desenvolveu boa parte de seus estudos, incluindo bacharelado e mestrado em música na Unicamp.
Hoje, atua na Universidade de Aveiro, em Portugal, onde foi convidado para ser pesquisador principal de um projeto que estuda o trânsito de violas, cavaquinhos e bandolins (os cordofones portugueses) pelo Oceano Atlântico ao longo da história e as relações sociais que isso implicou, como a introdução delas no cancioneiro nacional.
Destaca-se que embora a viola tenha inicialmente se estabelecido no Brasil, trazida por influência portuguesa, em áreas urbanas como o Rio de Janeiro, Salvador e Recife, ganhou adeptos e técnica de execução no interior do país.
Violeiro profícuo
O violonista tem 17 álbuns gravados entre solos e em grupo. O seu trabalho Paisagens (1998) virou referência ao lado de registros fonográficos de outros violeiros de mão cheia, como Almir Sater, Renato Andrade, Tavinho Moura, entre outros.
Esse ano, o violonista Ivan Vilela lançou os álbuns A Força do Boi, que conta com a participação da Orquestra do Estado do Mato Grosso, e Encontro que reúne a sonoridade da viola caipira com o piano de Benjamin Taubkin.
“Esse trabalho com a orquestra versa sobre música caipira e composições minhas. É um repertório delicado.”
O projeto com Taubkin começou a partir de shows que fizeram juntos em 2016. “O trabalho foi amadurecendo. Pegamos três músicas dele, três minhas e três do Milton (Nascimento) e gravamos. Tanto a viola como o piano têm muitos sons harmônicos, ficam ressoando.”.
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