A irmã, o pai, a mãe e o filho

O sueco Jonas Hassen Khemiri cria personagens destituídos de nomes para falar sobre os papéis e identidades forjados dentro de uma família

Khemiri é um conhecido e premiado dramaturgo e romancista em seu país - Imagem: Redes sociais

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A primeira coisa que se nota em A Cláusula do Pai, do sueco Jonas Hassen Khemiri, é a ausência de nomes próprios dos personagens. Logo na primeira frase, lemos: “Um avô que é um pai está de volta ao país que ele nunca deixou”. E assim segue a narrativa, pautada pelos laços de família, ou, mais especificamente, pelos papéis sociais desempenhados na esfera familiar.

Outras figuras a surgir em cena são “a irmã que ainda não era uma mãe”, “um filho que é um pai”, e por aí vai. Hassen Khemiri, um conhecido e premiado dramaturgo e romancista em seu país, não é o primeiro a criar personagens destituí­dos de nomes. Seu estratagema é claro: ele deseja, no romance, investigar a dinâmica do parentesco, que une e separa pessoas e forja identidades.

A narrativa começa com a volta do patriarca para visitar a família. Ainda no aeroporto o personagem revela-se um ser deplorável. Ele declara pensar, por exemplo, que as ditaduras são boas porque ele próprio “era muito mais feliz quando tinha o mínimo de liberdade”. Não à toa, é pouco querido por quem o conhece – caso de seus familiares.

O patriarca tem uma filha bem-sucedida profissionalmente, mas com problemas com o primogênito. Já seu filho fica em casa cuidando das crianças, enquanto a namorada tem um trabalho rentável – o relacionamento parece bem ajustado, mas, como tudo neste livro, não é o que parece ser.

A CLÁUSULA DO PAI. Jonas Hassen Khemiri. Tradução: Clarice Goulart. (Editora Âyiné, 284 págs. 69,90 reais)

A Cláusula do Pai desenrola-se ao longo dos dez dias nos quais esse homem visita a família que, claramente, preferia que ele não estivesse ali. A perspectiva da ­narrativa vai sendo alternada entre os vários personagens, dando a cada um deles a oportunidade de ocupar o centro da história que emerge de uma profusão de sentimentos: amor, ódio, culpa e ressentimento.


“A nossa relação era única e esse é um dos verdadeiros desafios desta vida, não se deixar condicionar pelas circunstâncias familiares”, pensa o “filho de 1 ano”, em um monólogo mental, esse personagem que, apresentado como bebê, causa no leitor um óbvio estranhamento.

Embora tenha uma prosa cristalina, Hassen Khemiri impõe, a quem o lê, alguns desafios de ordem narrativa. A maneira pela qual ele se refere aos personagens tem sentido em sua proposta de investigar até que ponto nossas funções dentro de uma família nos definem, mas não deixa, ainda assim, de ser um malabarismo formal.

Seu jogo de papéis, no qual um personagem ora é pai, ora é filho, ora é irmão, é, de início, um pouco cansativo. Mas, conforme a narrativa avança, a opção ganha fluidez. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1218 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A irmã, o pai, a mãe e o filho”

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