Cultura

A eleição que não acabou

Muita gente não percebe que, uma hora, o jogo acaba

Ainda não acabou?
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A gente quando era menino, lá no bairro do Carmo, gostava de zoar com os políticos. Em época de eleição, saíamos de noite às ruas com um pedaço de carvão nas mãos, desenhando bigodinho de Hitler, colocando chifre e dentes de vampiro, nos cartazes dos candidatos colados nos muros.

Gostávamos, desde cedo, de fazer aqueles trocadilhos infames. Eu gosto de frango e o Magalhães Pinto. A minha casa é de tijolo e a do Ademar de Barros. Eu gosto de ovelha e o Nelson Carneiro.

Colecionávamos santinhos, adesivos de plástico, chaveiros, mas o mais cobiçado dos objetos era aquela vassourinha de metal dourado do Jânio Quadros.

Depois veio o golpe militar de 64 e nossa brincadeira mixou. Além de acabar com o Simca Chambord, eles acabaram também com as eleições. Eu fui embora do Brasil e passei mais de duas décadas sem votar.

Hoje, acho bizarra essa história mas ela é verdadeira. Assim que cheguei a Paris para longos invernos, prometi a mim mesmo que só cortaria o cabelo quando caísse a ditadura militar no Brasil.

E assim passaram-se os anos, até que o meu cabelo chegou à cintura. Juro que quando Gilberto Gil compôs Cultura e Civilização, eu tinha certeza de que aqueles versos eram pra mim.

Contando que me deixem

Meu cabelo belo
Meu cabelo belo
Como a juba de um leão
Contando que me deixem
Ficar na minha

Foi no governo Figueiredo, quando a abertura começou a colocar suas asinhas de fora, que fui numa pequena barbearia lá no Boulevard Voltaire e podei minha juba de leão.

No Brasil, já com o cabelo curto, um dia voltei a votar, ainda marcando um X no papelzinho. Sou tão apaixonado por eleições que na primeira que tivemos pra presidente da República, no Jornal de Vanguarda, toda noite, Dóris Giesse abria as manchetes dizendo:

Faltam tantos dias para elegermos o presidente da República!

Eu era o editor-chefe e me orgulhava daquilo, todo fim de noite, no switcher da Rede Bandeirantes de Televisão. Eu, o Oscar Rodrigues Alves, o Paulo Leminski, a Roberta Vaz, o Renato Barbieri, o Miguel Paiva e todo o pessoal da pesada.

Ainda não havia Facebook pra mim, mas eu já dava um jeito de espalhar notícias, fazer campanha por eleições livres e diretas, deixar bem claro que a palavra de ordem era a volta da democracia.

Eleição sempre foi assim. No final, um ganhava, outro perdia. O que ganhava tomava posse e começava a governar, o que perdia se recolhia, virava oposição, começava a se preparar para a próxima e a vida seguia.

Pela primeira vez, desde a redemocratização do Brasil, estou aqui meio assustado, meio sem entender porque os perdedores não se conformam em ter sido derrotados nas urnas em outubro do ano passado.

Eu sou torcedor do América Mineiro e toda vez que o meu ameriquinha perde, seja pro Galo, pro Cruzeiro, ou mesmo pro Tupi, pro Boa ou pro Democrata, eu reconheço a derrota. Fico amuado, chateado de ver meu time descendo pelas tabelas, mas jogo é jogo, resultado é resultado.

Milhões de brasileiros não estão sabendo perder. Sim, a presidente Dilma teve 51,58 por cento dos votos e seu rival, Aécio Neves, 48,41 por cento. Ela não ganhou nos pênaltis, nem tampouco com gol roubado. Foi um jogo apertado, mas ganhou.

Naquele inesquecível 8 de julho, perdemos por 7 a 1 pra Alemanha e todo mundo se lembra disso. Foi um vexame. Perdemos, ficamos chocados, choramos, teve gente que quebrou a televisão, prometeu nunca mais sofrer por futebol, mas se conformou. Ninguém pensou em fazer um terceiro tempo, virar o tapete ou anular a Copa do Mundo de Futebol. Perdemos e pronto. E bola pra frente!

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