Cultura

A Ditadura Militar em 7 filmes de 2018

São filmes que valem por uma comissão da verdade. Precisam ser vistos. Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

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Não foi apenas na política que o Brasil deu uma guinada recente rumo a 1968. O cinema nacional cumpriu o importante dever de revisitar os anos de chumbo em alguns dos mais importantes e premiados longas-metragens do ano.

Nesta coluna, recomendamos alguns dos títulos que estrearam na telona no último ano, incluindo uma produção estrangeira, e indicamos alguns filmes anunciados para o ano que vem. Como é hábito no Brasil, alguns desses filmes tiveram passagem meteórica pelas salas de cinema, enquanto outros nem sequer entraram em circuito nacional. Todos deixaram sua digital em festivais necessários como o Festival de Brasília, o Festival do Rio e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Em tempos de perseguição na Ancine e criminalização da Lei Rouanet, o cinema respira e, com ele, renovamos nossa capacidade de denunciar violações de direitos humanos, tanto as de hoje quanto as praticadas há 50 anos sob a truculência dos regimes de exceção. São filmes que valem por uma comissão da verdade. Precisam ser vistos. Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

1. Torre das Donzelas

O documentário de Susanna Lira venceu o prêmio especial do júri no Festival de Brasília e o prêmio de melhor documentário segundo o júri popular na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Também foi aclamado no Festival do Rio, onde arrematou os prêmios de direção, melhor documentário segundo o júri oficial e melhor documentário segundo o júri popular. A obra apresenta o cotidiano e a convivência de mulheres encarceradas entre 1969 e 1972 na ala feminina do presídio Tiradentes, em São Paulo, pavilhão conhecido como Torre das Donzelas e destinado às presas políticas. A organização do espaço, o preparo das refeições, os dias de visita, as conversas sobre política e sexualidade, as estratégias para resistir compõem a colcha de retalhos de um percurso intenso e pulsante. “Eu acho que nós demos felicidade para nós na pior situação possível”, diz a ex-presa e ex-presidenta Dilma Rousseff em determinado momento da fita. Entre as mulheres que viveram no presídio, demolido nos anos 1980 para a construção da estação Tiradentes do metrô, e que participam do filme estão também Rita Sipahy, Rose Nogueira, Dulce Maia, Rioco Kayano, Ilda Martins da Silva e muitas outras, todas elas fichadas como “terroristas” e torturadas.

2. Henfil

O caricaturista, escritor e humorista mineiro, criador de personagens icônicos dos quadrinhos dos anos 1970 como a Graúna, o Fradinho e o Capitão Zeferino, é o artista perfilado pela cineasta Angela Zoé. No filme, tirinhas se transformam em animação enquanto imagens de arquivo recuperadas pela família mostram o artista subversivo em atividade, fazendo piada e visitando o irmão Betinho no exílio. “O filme mostra seu desenho, sua resistência na época da ditadura e dá uma responsabilidade grande quando a gente vê que pessoas como você (Henfil), Millor, Herzog e tantos outros não estão aqui para ajudar em um novo momento de resistência contra ameaças à democracia”, escreveu Ivan Cosenza, filho de Henfil, em sua coluna Cartas do Pai, na Revista Fórum. A pré-estreia aconteceu em 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, doença que matou Henfil e seus dois irmãos, o músico Francisco Mário e o sociólogo Betinho. O longa venceu nas categorias direção, roteiro, montagem, melhor filme pelo júri oficial e melhor filme pelo júri popular no Cine PE, em Recife, e melhor filme no Festival de Cinema de Santos.

3. Deslembro

O filme de Flávia Castro foi o único longa brasileiro a integrar a seleção oficial do Festival Internacional de Cinema de Veneza e venceu o prêmio da crítica na Mostra de Biarritz. Na trama, primeira ficção da diretora, a protagonista Joanna (Jeanne Boudier) deixa Paris rumo ao Rio de Janeiro após a Anistia, em 1979. Ainda menina, havia se exilado na França com a família 10 anos antes, após o desaparecimento do pai, vítima da ditadura. O filme retrata o descobrimento do Brasil pelos olhos dessa jovem, num momento de entusiasmo com a possibilidade de redemocratização. Eliane Giardini, Sara Antunes e Jesuíta Barbosa também estão no elenco do filme, com passagens pela Mostra de São Paulo e pelo Festival do Rio. Pela segunda vez, Flávia Castro visita o tema da ditadura. Em 2010, lançou o documentário Diário de Uma Busca, que narra sua jornada e de seus irmãos em busca de reconstruir o passado de seu pai, o ex-guerrilheiro Celso Afonso Gay de Castro, e desvendar as circunstâncias de sua morte, baleado no apartamento de um ex-nazista, em Porto Alegre, em 1984.

4. Histórias que o nosso cinema (não) contava

Nos anos de chumbo, o cinema nacional foi dominado por um gênero conhecido como pornochanchada, apoiado quase sempre em roteiros frágeis, personagens com pretensões eróticas e jovens atrizes seminuas. Neste filme, a cineasta Fernanda Pessoa embarca num desafio curioso: vasculhar o que havia de cunho sócio-político naquelas produções. Em outras palavras: como a ditadura militar foi retratada na pornochanchada? O filme consiste em 80 minutos de cenas pinçadas de 22 filmes dos anos 1970 e encadeadas de forma criativa e afinada, sem narração em off nem depoimentos de especialistas ou veteranos do cinema. É o suficiente para que o espectador se depare com um contexto a um só tempo ultrajante aos olhos de hoje — numa das cenas, um homem afirma algo como “vocês, mulheres, já nascem com um talão de cheques entre as pernas” — e que surpreende em razão das muitas insinuações de caráter “subversivo” disfarçadas nessas películas — em uma delas, há uma greve de prostitutas, enquanto em outra há uma passeata com a faixa “povo feliz é povo desenvolvido”.

5. Tá rindo de quê? Humor e ditadura

O documentário de Cláudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga explora a genialidade, as sacadas e as estratégias de sobrevivência de alguns dos maiores humoristas brasileiros em atividade durante a ditadura. Jaguar, Carlos Manoel da Nóbrega, Chico Anysio, Jô Soares, Renato Aragão, Dercy Gonçalves, Henfil e Millôr Fernandes são alguns dos artistas que exibem sua arte na telona, alguns também como entrevistados, para contar de que maneira a censura e a truculência do regime buscaram cercear a liberdade de expressão e sufocar a comédia no país, tanto na TV quanto na imprensa. O filme estreou no Festival do Rio, em novembro, e ainda não entrou em circuito comercial.    

6. Uma noite de 12 anos

Também conhecido como “o filme do Mujica”, o drama de Alvaro Brechner narra o longo período em que o ex-presidente do Uruguai foi preso político e quase enlouqueceu após 12 anos de cárcere, 11 deles em regime de isolamento, submetido a sessões rotineiras de tortura e maus-tratos permanentes. Membro da organização guerrilheira Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, Mujica foi alvejado com seis tiros e capturado em 1973. Seu paradeiro foi deliberadamente ocultado de sua família pelas autoridades. Outros dois rebeldes tupamaros caíram junto com Mujica (Antonio Dela Torre) naquela ocasião e estiveram presos pelo mesmo período: Maurício Rosencof, o Ruso (Chino Darín) e Eleuterio Fernández Huidobro, o Ñato (Alfonso Tort), cujas histórias também são contadas no filme. A liberdade veio apenas em 1985, com a anistia uruguaia.

7. Marighella

Em fase de finalização, o filme de estreia de Wagner Moura na direção terá o ator e músico Seu Jorge (Cidade de Deus) no papel do guerrilheiro e ex-deputado baiano Carlos Marighella, dissidente do PCB e fundador da organização armada Ação Libertadora Nacional. Prevista para 2019, ano em que o assassinato de Marighella completará 50 anos, a cinebiografia daquele que já foi considerado o “inimigo público número 1” tem gerado polêmica muito antes da estréia. Durante as gravações, no início de 2018, grupos de extrema direita ameaçaram invadir o set de filmagem, destruir cenários e dar uma lição na equipe. Outros opositores se rebelaram contra a notícia de que o filme foi autorizado a captar R$ 10 milhões pela Lei Rouanet. Nas redes, Marighella foi rotulado de “terrorista” e “comunista”, adjetivo estendido rapidamente ao próprio Wagner Moura, astro internacional desde a consagração da série Narcos, da Netflix, e que tem se manifestado frequentemente sobre política, inclusive em período eleitoral. O intervalo coberto pelo filme deverá se estender do golpe de 1964 à morte do protagonista, em 1969, numa emboscada comandada pelo chefe do Dops de São Paulo, o delegado Sérgio Paranhos Fleury. É, desde já, um dos títulos mais aguardados de 2019.

Já assistiu a algum desses filmes? Comi bola e esqueci de listar algum? Comenta aí, por favor. Só não vale ficar digitando durante a sessão. Tenha um ótimo filme!

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