Cultura
A diplomacia e a música contra Bush
Sinfonia de um homem comum retrata o embaixador brasileiro que tentou evitar a guerra contra o Iraque


Para José Joffily, diretor de filmes como O Chamado de Deus (2001), Vocação do Poder (2005) e Soldado Estrangeiro (2019), fazer um documentário sempre foi uma maneira de conhecer temas e pessoas que, até a realização do filme, eram para ele uma incógnita.
Nesse sentido, Sinfonia de Um Homem Comum, que estreou no cinema na quinta-feira 9, é uma nota dissonante em sua trajetória. É que o diplomata José Maurício Bustani, protagonista do filme, era, antes de se tornar personagem, seu amigo.
“Nos outros filmes, os personagens eram escolhidos de maneira quase, digamos, fria. Para fazer Prova de Artista, sobre músicos de orquestras, por exemplo, fiquei procurando testes e ensaios na internet”, conta. “O Bustani, conheço há muitos anos.” O elo entre os dois é o irmão de Joffily, que fez faculdade com Bustani e tinha em comum com o embaixador uma paixão obsessiva pela música.
A música tem, não por acaso, um lugar privilegiado nesse retrato do diplomata brasileiro que, 20 anos atrás, foi destituído do posto de diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) por pressão do governo Bush.
À altura, Bustani defendia a adesão do Iraque à Opaq – organização cujo objetivo era implantar um acordo multilateral de desarmamento. A partir das inspeções de armas no país, Bustani esperava colocar em xeque a tese que, em 2003, acabaria por servir de argumento para a invasão do Iraque.
“Depois do episódio, Bustani passou um ano no ostracismo, e me contou essa história”, diz Joffily. “Mas ela era tão absurda e tão complexa que só em 2017 resolvi fazer o filme. E comecei sozinho, filmando uma entrevista com ele.”
Nessa entrevista – que talvez não fosse possível sem a intimidade com um diretor experiente e hábil –, o diplomata revê, com a distância do tempo, detalhes de sua saga. Ao reler o discurso que fizera pouco antes de sua destituição, por exemplo, Bustani se emociona.
Embora recupere em detalhes esse impressionante episódio da geopolítica internacional e ouça políticos como Lula e FHC, além de familiares de Bustani, Sinfonia de Um Homem Comum extrai parte de seu sentido de um personagem improvável: o piano.
“Quando eu pedia para filmá-lo tocando, ele me dizia: ‘Não estou entendendo o que a música que eu toco tem a ver com a minha história como diplomata’. Ele ficava meio bravo”, diz Joffily, rindo. “Mas sempre me pareceu que o interesse dele pela música e sua obstinação em tocar uma peça sem errar eram reveladores de sua personalidade.”
Foram quase 150 horas de gravações, das quais Joffily e a montadora Jordana Berg extraíram os contundentes 83 minutos agora em cartaz. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1247 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE FEVEREIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A diplomacia e a música contra Bush”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
