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A desigualdade de gêneros na Coreia do Sul retratada por Cho Nam-Joo

Ex-roteirista de televisão tornou-se uma autora best-seller ao mostrar, em uma novela, a condição da mulher em seu país

A desigualdade de gêneros na Coreia do Sul retratada por Cho Nam-Joo
A desigualdade de gêneros na Coreia do Sul retratada por Cho Nam-Joo
Cho é ex-roteirista de televisão - Imagem: Jun M.Park
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Cho Nam-Joo, 41 anos, é uma ex-roteirista de televisão cuja novela ‘Kim Jiyoung, Nascida em 1982′ tornou-se um best-seller muito discutido, quando foi publicado na Coreia do Sul, em 2016, na mesma época em que o movimento #MeToo chegou ao país.

O livro de Cho, agora lançado no Brasil, usa a história de uma mulher para revelar a desigualdade de gêneros em todas as áreas da sociedade sul-coreana, desde a preferência por ter filhos homens até a discriminação e o assédio às mulheres no local de trabalho. Apesar de ser a 12ª economia do mundo, a Coreia do Sul, em um recente relatório sobre diferença de gêneros, está classificada em 108º lugar entre 153 países.

Cho vive com sua família em Seul.

The Observer: Qual foi a reação ao seu livro na Coreia do Sul?
Cho Nam-Joo: Os leitores disseram que, realmente, se identificaram com a história – as mulheres disseram que o relato era igual às suas próprias vidas. Houve alguns casos de celebridades que foram atacadas nas redes sociais porque leram o livro. Ele ofereceu uma oportunidade para a discussão pública. E isso faz com que eu sinta certo orgulho. Acho que dei uma pequena contribuição para a sociedade.

TO: Como foi o movimento #MeToo na Coreia do Sul?
CN: Em maio de 2016, uma mulher foi assassinada na estação de Gangnam (distrito chique de Seul) e, em outubro daquele mesmo ano, houve vários escândalos de assédio sexual em diversas áreas da sociedade, incluindo círculos literários e artísticos. As pessoas começaram a falar sobre os horrores e as ameaças que as mulheres sofriam – coisas que não eram discutidas antes. Então, uma promotora, Seo Ji-hyeon, engajou-se no movimento #MeToo, revelando o que ela havia vivenciado (em uma entrevista concedida à televisão coreana, Seo relatou a experiência de quando foi assediada sexualmente no trabalho. Essa revelação levou outras mulheres a se manifestarem).

KIM JIYOUNG, NASCIDA EM 1982.
Cho Nam-Joo. Tradução: Alessandra Esteche. Intrínseca (176 págs., 39,90 reais).

TO: Você acha que as coisas estão mudando ou as jovens continuam enfrentando os mesmos problemas hoje?
CN: Ainda há abuso e discriminação sexual. Recentemente, vi no noticiário uma candidata que não conseguiu um emprego porque as autoridades públicas lhe deram uma nota mais baixa só porque era mulher. Mas houve algumas mudanças. As mulheres estão protestando e fazendo abaixo-assinados. Elas começaram a se unir em solidariedade umas às outras. Recentemente, foi decidido que é inconstitucional o aborto ser considerado crime. Embora a mudança seja lenta, acredito que não vamos retroceder.

TO: Você disse que seu pai e seu tio fizeram um trato antes de você nascer: se você fosse menino, seu tio – que já tinha cinco filhas – o levaria para ele. Como é saber que você poderia ter sido criada em outra família?
CN: Na verdade, isso não importava para mim. Como sou mulher, não importaria se vivesse com meu tio ou com meu pai. Mas, se eu nascesse menino, acho que não poderia compreender esta vida, o mundo em que eu vivo, da mesma maneira como compreendo. Vivendo como uma pessoa no lado mais fraco, vemos o mundo de maneira muito mais ampla.

TO: Era comum a prática de trocar um filho por uma filha?
CN: Foi mais comum na geração de minha mãe. Ao saber do pacto entre meu tio e meu pai, fiquei realmente surpresa. Mas, como digo no livro, havia uma tendência de as mulheres abortarem se estivessem grávidas de meninas. Isso atingiu o pico nos anos 1980 e início dos anos 1990.

“Meu livro é mais corajoso do que eu”, diz a autora, que pausou a carreira para tornar-se mãe

TO: A novela vendeu milhões de exemplares e foi traduzida em 18 línguas. Qual a sua sensação com esse sucesso global?
CN: Quando minha novela foi transformada em filme, a diretora (Kim ­Do-Young) disse que achava que o livro tem vida própria, e eu concordo. Ele é mais progressista e corajoso do que eu.

TO: Várias estrelas do K-pop, como Soo-young da Girls’ Generation, e RM, do BTS, elogiaram o livro. Qual foi a consequência disso? E você é fã do K-pop?
CN: Temos uma palavra recém-cunhada na Coreia, “vendedor de ídolos”. O apoio de celebridades a um livro tem grande impacto nas vendas. Sou fã do K-pop há muito tempo. Sou fã, especialmente, do grupo Mamamoo e da cantora Taeyeon.

TO: A novela inclui uma cena em que mulheres são filmadas secretamente no banheiro do trabalho. Isso é muito comum na Coreia?
CN: Existia um grande site cujos membros compartilhavam gravações ilegais, mas ele foi fechado em 2016. De toda forma, hoje ainda há notícias constantes sobre pessoas apanhadas fazendo gravações ilegais.

TO: O diretor de Parasita, Bong ­Joon Ho, disse recentemente: “A Coreia, na superfície, parece um país muito rico e glamouroso… mas a diferença relativa entre ricos e pobres está aumentando. A geração mais jovem, em particular, sente muito desespero”. Você concorda?
CN: Sim. Sinto que os homens da geração mais jovem têm certo sentimento de perda porque acham que não têm tanto poder, capital ou oportunidade, comparados com as gerações anteriores. Mas esses homens não deveriam menosprezar as mulheres, que têm ainda menos oportunidades.

TO: Por que as taxas de nascimento são tão baixas na Coreia do Sul?
CN: O preço dos imóveis é realmente alto, e não temos muita segurança no emprego. Os jovens acham muito difícil viver por conta própria. E os nossos sistemas de benefícios das empresas, como licença-maternidade, não são muito bons, por isso é difícil para homens e mulheres cuidarem do trabalho e das tarefas domésticas.

TO: Você fala sobre os desafios de ser pai ou mãe – o que acha de ser mãe?
CN: Geralmente, na sociedade coreana, as pessoas não veem muito favoravelmente as mulheres que criam os filhos. No meu caso, depois que fiz uma pausa na profissão, realmente não tinha qualquer esperança de voltar à minha vida profissional. Tive dificuldade. Mas, se a nossa cultura social mudar, para darmos mais valor a criar os filhos, acho que poderemos desfrutar melhor da maternidade. •


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Da Coreia do Sul para o mundo”

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