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A crise sociopolítica em forma de ficção

Jenny Erpenbeck coloca os refugiados que vivem hoje em Berlim no centro da trama de ‘Eu vou, Tu vais, Ele vai’

A crise sociopolítica em forma de ficção
A crise sociopolítica em forma de ficção
Reconhecimento. Este ano, a autora alemã ganhou o Booker Prize – Imagem: Katharina Behling
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A crise dos imigrantes na Europa é uma questão central para a autora alemã Jenny Erpenbeck em Eu vou, Tu vais, Ele vai, romance de 2015 recentemente lançado no Brasil.

A Alexanderplatz, em Berlim, cenário de um romance escrito cem anos atrás – Berlim, Alexanderplatz, de Alfred ­Döblin – é o epicentro da trama que aborda o drama de pessoas vindas de diversas regiões da África e que não têm onde morar.

Na famosa praça da capital alemã, um grupo de refugiados faz greve de fome, mas segue invisível aos olhos do protagonista do livro, Richard, um professor universitário. É apenas quando os vê numa reportagem na tevê que ele se dá conta do que está acontecendo. Acha, então, que deve ajudá-los.

A narrativa é desenvolvida num tempo lento, que se aprofunda na construção dos personagens e suas trajetórias.

O romance começa com Richard, que é viúvo, chegando ao fim de sua carreira acadêmica. O professor crê que, a partir da aposentadoria, terá tempo para fazer tudo aquilo que queria e não conseguia: viajar, ler Proust e ­Dostoievski e ouvir música. Mas ele não consegue ficar indiferente à crise sociopolítica da Europa.

Nascido e criado na Alemanha Oriental, o acadêmico viveu o estranhamento da união do país. Foi, um pouco, como se deixasse de ser ele mesmo. Tal e qual sua nação, ele precisou aprender com a nova realidade, e mudar. Também por isso, as histórias dos apartados de seus lugares de origem o tocam profundamente.

Eu vou, Tu vais, Ele vai. Jenny Erpenbeck. Tradução: Sergio Tellaroli. Companhia das Letras (368 págs., 109,90 reais) – Compre na Amazon

Jenny Erpenbeck, de 57 anos, nasceu na Berlim Oriental e vivenciou profundas experiências históricas. Com ­Richard, não é diferente.

O afogamento de um refugiado num lago é um elemento de desconforto que a autora retoma em diversos momentos da narrativa. É como se essa vítima – cujo corpo não é encontrado – simbolizasse a trajetória errante e incerta dessas ­pessoas que vagam pela Europa.

Sem recair no sentimentalismo ou no lugar do branco salvador, a escritora consegue construir um retrato profundamente humano dos imigrantes e do próprio ­Richard, que vê sua vida transformar-se a partir do contato com os outros.

Como o governo parece pouco preocupar-se com as vidas dos refugiados, é em ­Richard que eles encontram o alento de serem tratados como humanos – e não como elementos de uma crise.

Em maio deste ano, Jenny Erpenbeck ganhou o Booker Prize por Kairos, ainda não lançado no Brasil. •

Publicado na edição n° 1327 de CartaCapital, em 11 de setembro de 2024.

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