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A criptonita das superbactérias?

Um novo antibiótico, a albicidina, ataca os germes de forma completamente diferente

A criptonita das superbactérias?
A criptonita das superbactérias?
Imagem: iStockphoto
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Cientistas descobriram uma toxina vegetal cujo método exclusivo de atacar bactérias poderá ser usado para criar nova gama poderosa de antibióticos. A perspectiva de desenvolver novos medicamentos antibacterianos dessa maneira foi saudada pelos médicos, que alertam há muitos anos que o aumento constante de patógenos multirresistentes, como a Escherichia ­coli, hoje representa uma ameaça perigosa para a saúde em todo o planeta.

O novo antibiótico, a albicidina, ataca as bactérias de forma completamente diferente dos medicamentos existentes, segundo revelou um grupo de cientistas britânicos, alemães e poloneses num artigo publicado recentemente na revista Nature Catalysis. Isso sugere que uma nova rota pode ser explorada para combater doenças bacterianas, dizem eles. “Não conseguimos obter nenhuma resistência à albicidina no laboratório”, disse Dmitry Ghilarov, cujo grupo de pesquisa está baseado no John Innes Center, em ­Norwich, Reino Unido. “É por isso que estamos realmente entusiasmados, acreditamos que será muito difícil para as bactérias desenvolverem resistência contra antibióticos derivados da albicidina.”

A albicidina é produzida por um patógeno bacteriano chamado ­Xanthomonas albilineans, que desencadeia uma doença devastadora na cana-de-açúcar, conhecida como escaldadura da folha. O patógeno usa a albicidina para atacar a planta, mas também foi descoberto, várias décadas atrás, que era altamente eficaz para matar bactérias. “O problema era que, na época, não sabíamos exatamente como a albicidina atacava as bactérias, por isso não podíamos usá-la como base para novos antibióticos, porque eles poderiam desencadear todo tipo de complicação no corpo humano”, disse Ghilarov. “Tivemos que determinar exatamente como ela matava as bactérias antes que pudéssemos fazer isso. E foi o que conseguimos agora.”

Em parceria com cientistas da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha, e da Universidade Jaguelônica, em ­Cracóvia, na Polônia, Ghilarov e sua equipe usaram uma série de técnicas avançadas para revelar como a albicidina mata. “Agora que temos um entendimento estrutural, podemos criar modificações da albicidina para melhorar sua eficácia e suas propriedades farmacológicas”, descreve o pesquisador. “Acreditamos que este é um dos novos candidatos a antibióticos mais animadores em muitos anos. Possui eficácia extremamente elevada em pequenas concentrações e é altamente poderoso contra bactérias patogênicas, mesmo aquelas que resistem aos antibióticos amplamente utilizados, como os fluoroquinolonas.”

A crescente resistência dos micróbios aos medicamentos atuais é grave problema de saúde pública

A Organização Mundial da Saúde alertou que a resistência a antibióticos se tornou uma das maiores ameaças à saúde, segurança alimentar e desenvolvimento globais. O uso excessivo e indiscriminado de antibióticos fez com que as bactérias desenvolvessem resistência a eles, resultando na evolução de algumas cepas de micróbios que se tornaram muito mais difíceis de eliminar. Isso, por sua vez, levou a custos médicos mais altos, internações hospitalares prolongadas e aumento da mortalidade.

Um estudo recente sugeriu que esse problema mata cerca de 3,5 mil seres humanos todos os dias. Em 2019, mais de 1,2 milhão morreram em consequência direta de infecções bacterianas resistentes a antibióticos. “Um problema é que simplesmente não há pesquisa e desenvolvimento suficientes de novos antibióticos pelas empresas farmacêuticas”, aponta o professor Tony Maxwell, que também trabalha no John Innes ­Centre. “Novos compostos costumavam chegar ao mercado o tempo todo, mas não é mais o caso. Cada vez menos grandes empresas farmacêuticas trabalham em antibióticos e, portanto, cada vez menos são aprovados pelas autoridades farmacêuticas ocidentais. O problema é que não se ganha mais dinheiro com antibióticos.”

Maxwell prossegue: “Por outro lado, não há nada melhor para tratar uma doença bacteriana do que um antibiótico, então este trabalho, que abre toda uma nova gama de medicamentos com base em nossa recente compreensão do funcionamento da albicidina, deve ser uma boa notícia. Poderá levar anos para criarmos versões clinicamente eficazes, mas isto sugere que um dia poderemos ter uma nova arma em nosso arsenal”.

Este ponto foi salientado por Ghilarov: “Para fazer as coisas andarem, o governo precisa intervir, como fez no desenvolvimento de vacinas. É preciso fornecer incentivos ou criar um instituto dedicado ao desenvolvimento de antibióticos”.


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1245 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A criptonita das superbactérias?”

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