Cultura

‘Torre das Donzelas’: A lição de resistência das mulheres na ditadura

Ganhadora de prêmio do juri no Festival de Brasília, documentarista traça paralelo entre as presas políticas no período e a campanha #Elenão

O filme retrata as histórias de presas políticas na ditadura, entre elas Dilma Rousseff
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Por Lu Sudré

“O que é a prisão? É um controle do espaço e do tempo. Te isola”, resume a ex-presidente Dilma Rousseff, no trailer oficial do documentário “Torre das Donzelas”, de Susanna Lira. Aplaudido de pé, o filme ganhador do Prêmio Especial do Júri no 51º Festival de Brasília retrata o passado de presas políticas do regime militar.

Título do longa, a Torre das Donzelas foi uma construção localizada dentro do presídio Tiradentes, em São Paulo, onde mulheres cumpriam penas durante a ditadura.

O documentário registra momentos de emoção, de reencontros com dolorosas e traumáticas memórias, ao passo que também destaca a importância da resistência política de cada uma das ex-presas políticas. Em tempos de repúdio das mulheres ao presidenciável Jair Bolsonaro, um notório defensor da repressão militar entre 1964 e 1985, o filme permite traçar paralelos entre as militantes de ontem e hoje.

Com uma narrativa diferente da usualmente utilizada quando se fala sobre as violações de direitos humanos do regime militar, a produção joga luz ao afeto desenvolvido entre essas mulheres dentro do cárcere.

Em entrevista a CartaCapital, a diretora Susanna Lira assume que seu décimo longa metragem “foi o mais difícil e complexo de realizar”. A produção do documentário recriou o espaço da Torre, onde as personagens puderam ressignificar suas memórias.

“A torre foi um lugar de dor e aprisionamento, mas também foi um momento de transformação pessoal para cada uma delas. Por isso elas reagiram muito bem ao cenário, pois era uma lembrança de um lugar de luta, de resistência, e também de muito companheirismo”, explica Lira.

Mesmo com o peso da figura pública de Dilma Rousseff, as presas políticas são apresentadas de forma horizontal e nenhuma delas é creditada durante o filme.  Segundo a diretora, apenas no final será possível saber quem é cada uma daquelas mulheres e o que fizeram de suas vidas após saírem da Torre, que se torna a única protagonista do longa.

Lira relata que conquistar a confiança daquelas que dedicaram suas vidas à luta pela democracia no Brasil não foi fácil, pois havia um receio em relação à forma que seriam retratadas. Para entrevistar Dilma Rousseff, por exemplo, a diretora aguardou por quatro anos. “Foi um momento surpreendente. Ela conseguiu narrar de forma muito transparente e num tom bem confessional os momentos que viveu na Torre”, conta.

A articulação de resistência das mulheres na época da ditadura contra o autoritarismo também se faz necessária nos dias de hoje. Conhecido internacionalmente por seu extremo conservadorismo, Bolsonaro, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, já fez inúmeras declarações polêmicas em apologia à ditadura e à violência.

Notoriamente machista, sexista e homofóbico, durante a votação do impeachment que afastou Dilma Rousseff da presidência, o político homenageou Carlos Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI, espaço onde ocorreram dezenas de prisões e torturas no regime militar.

Em entrevista à rádio Jovem Pan, seu vice, General Hamilton Mourão (PRTB), relativizou a repressão cometida durante a ditadura.  Para ele, o AI-5 “não foi usado tantas vezes assim”.

Sobre a tortura, Mourão estabeleceu uma relação de causa e consequência. “Eles [grupos armados] queriam implementar outra ditadura, que era a ditadura do proletariado. E o estado se defendeu. Excessos houve? Sim, mas isso é guerra. E na guerra excessos acontecem”, disse.

Recentemente, se somando às posições misóginas de Bolsonaro, Mourão declarou que casas em que mães e avós criam sozinhas seus filhos e netos são “fábricas de desajustados”.

Os pronunciamentos de seu vice fizeram com que o repúdio contra o candidato do PSL crescesse ainda mais. Segundo a útlima pesquisa Ibope, o presidenciável tem rejeição de 44% entre homens e mulheres. Considerando apenas o eleitorado feminino, a rejeição sobe para 52% e aumentou 11 pontos percentuais em um mês.

Diante deste cenário, assim como no documentário “Torre das Donzelas”, as mulheres enfrentam a onda conservadora na linha de frente. Com a hashtag #Elenão, milhões iniciaram uma campanha para se posicionar contra Bolsonaro. A mobilização cresce exponencialmente nas redes sociais, reunindo eleitoras de diferentes espectros políticos.

Neste sábado 29, os protestos sairão da internet e ocuparão as ruas, podendo potencializar a resistência contra o presidenciável. Mais de 20 grandes atos intitulados #Elenão acontecerão em todo o País ao longo do dia.

Também em campanha contra o candidato conservador, Susanna Lira destaca que há similaridades entre o período histórico retratado no “Torre das Donzelas” e a atual conjuntura política.

“O filme não faz nenhuma abordagem clara sobre a onda conservadora atual, mas quando narra em detalhes o que houve na época da ditadura, tudo parece muito parecido com o discurso fascista que ouvimos agora. Nesse sentido, vejo o filme como um alerta. Precisamos reagir e a história de luta dessas mulheres nos inspira”, comenta.

A diretora do documentário ressalta que as mulheres podem decidir as eleições no Brasil e precisam se unir para barrar a ascensão do conservadorismo de Bolsonaro.
“Basta ter consciência política e biológica do que significa ser mulher para entender a importância do nosso voto hoje. Temos que estar atentas e fortes”.

“Torre das Donzelas” estará em cartaz nos cinemas brasileiros no primeiro trimestre de 2019. “Se até lá houver País”, critica Lira, em alusão a uma eventual vitória de Bolsonaro.

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