Cultura

“Nunca recebi reclamação de crianças”

Produtora da CBBC, canal infantil público inglês, Kez Margrie fala sobre a opção de veicular um documentário sobre a vida de um menino transgênero

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“Oi, meu nome é Leo e quero mostrar que a minha vida não é diferente da sua”, diz para a câmera um rapazinho loiro. Protagonista do episódio “I’m Leo”, parte da série documental My Life, Leo tem 14 anos e vive na Inglaterra com sua mãe e irmã. Como outros meninos da sua idade, gosta de praticar esportes e jogar videogame com seu melhor amigo.

No entanto, existe algo sobre Leo que o diferencia da maioria dos adolescentes. “Embora as pessoas me enxergassem como uma menina, eu sempre me senti um menino”, explica o garoto, que inicia com delicadeza o tema de ser uma pessoa transgênera, isto é, que não se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu.

O episódio de 20 minutos, veiculado no canal infantil público inglês CBBC, apresenta cenas do cotidiano do garoto, antes chamado de Lily, em sua busca por aceitação. “Eles não me deixavam ser quem eu era e me sentia muito sozinho, já que ninguém mais sentia o que eu estava sentindo”, conta sobre a escola. A conquista do uso do nome social e do entendimento da escola e dos amigos, conta a mãe, mudou a vida de Leo para sempre.

Produzida em formato de documentário, a série My Life tem como objetivo apresentar histórias de crianças comuns com vidas extraordinárias no Reino Unido. Assim como no Brasil, o tema é cercado por desentendimentos e polêmicas, e a série recebeu críticas dos espectadores antes mesmo de sua estreia. “As pessoas discordam e têm esse direito, mas digo que eu nunca recebi uma reclamação de uma criança nesse sentido”, conta a produtora-executiva da CBBC, ligada ao canal BCC, Kez Margrie. Margrie esteve no Brasil no fim de setembro por ocasião do encontro ComKids – Não Ficção, que discutiu a produção audiovisual de não ficção para o público infantojuventil.

Trabalhando com conteúdos dirigidos para crianças desde 1999, Kez é também responsável pela My Life, premiada com o Bafta e o Prix Jeunesse Internacional. 

CartaCapital: Por que a CBBC, canal infantil público ligado à BBC na Inglaterra, decidiu levar ao ar “I’m Leo” (Eu Sou Leo) um episódio do documentário My Life (Minha Vida) focado na vida de um menino transgênero? Qual é a importância de discutir esse assunto com o público infantil?
Kez Margrie: Eu estava tentando buscar a fórmula mágica para esse programa. Não acho que exista uma, mas escolhemos as histórias (cada episódio documental é focado na vida de uma criança) sempre a partir de produtores independentes. O motivo é que é importante que as pessoas que estarão produzindo as histórias conheçam a criança (que será protagonista). O mais importante para mim é que a criança se sinta confiante o suficiente para contar a própria história e que ela entenda o que acontecerá quando ela contar. Também é importante que a criança seja uma boa contadora de histórias.

CC: Por que a escolha de trabalhar com produtores independentes?
KM: Novos produtores chegam até nós o tempo todo e eu acho que é uma ótima oportunidade para aqueles que nunca emplacaram um programa na televisão.

CC: Que outras coisas são levadas em conta?
KM: A outra decisão real é se a história é relevante para o público que a assistirá. Assim, se alguém chega com uma história muito extrema, mas eu não consigo achar o ponto de contato com a audiência ou, no fim das contas, a criança não deseje ser amiga daquela personagem, essa não é a história certa para nós. Assim, todas essas coisas precisam se alinhar. Claro que levamos em consideração também quais histórias já foram contadas. Queremos apresentar muitas histórias de diferentes crianças, então, se é uma história incrível, mas que já foi contada, não repetiremos. Por outro lado, sempre respondemos para as crianças que nos escrevem falando “eu sou como essa pessoa”, mas não necessariamente repetimos a história. Respondemos para todas as crianças que nos escrevem, essa participação é importante para nós, sempre encorajamos as crianças a dizerem o que pensam.

CC: Quem está mais aberto para novas ideias e novas abordagens, crianças ou adultos?
KM: Eu estava dizendo antes que, quando colocamos assuntos mais controversos, recebemos reclamações de adultos que não sentem que as crianças estão prontas para ouvir essas histórias. No caso de I’m Leo, recebemos uma reclamação que dizia: “Chego no quarto, vejo meu filho assistindo isso e desligo, porque ele não deveria assistir esse tipo de tema”. Os pais têm totalmente o direito de reclamar conosco, até porque muitas vezes a linha entre o que é apropriado e o que não, é muito tênue. Enfim, as pessoas discordam e têm esse direito, mas digo que eu nunca recebi uma reclamação de uma criança nesse sentido.

CC: Você acredita que assistir a essas histórias reais pode ajudar a combater o bullying e a discriminação?
KM: Não há dúvidas. As crianças contam para nós que estão vendo meninos e meninas reais, contando suas histórias e explicando como conseguiram superar as adversidades. Então, acho que isso é realmente empoderador para crianças que passam pela mesma situação. E não fazemos isso apenas na televisão com a série My Life. Também temos ótimas histórias na plataforma online, porque acredito que hoje em dia uma criança passando por uma situação difícil não pensaria: “Quero descobrir mais sobre o que significa passar por bullying, vou ligar a televisão”. Eles googlam, procuram na internet para saber mais.

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