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12 destinos que você precisa conhecer em 2020

Há cidades conhecidas pela cultura negra, mas também por lugares menos óbvios

Capoeira em Salvador (BA)
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*Por Guilherme Soares Dias e Luciana Paulino

O blog Guia Negro valoriza lugares de cultura negra, histórias e experiências de viajantes negros. A Black Bird Viagem é uma plataforma de turismo inclusivo. A proposta de ambos é contar histórias, inspirar, mapear e guiar em novas escolhas no turismo, por viagens mais diversas. Ao longo do ano visitamos novos destinos e entrevistamos personalidades negras que indicaram seus lugares de cultura negra imperdíveis. Com esse repertório, elegemos os 12 lugares que você precisa conhecer em 2020. Prepara-se para se surpreender com cidades conhecidas pela cultura negra, mas também por lugares menos óbvios. Tem capitais no Sudeste e Centro-Oeste brasileiro, na Europa, mas também na África e no Nordeste do Brasil. Confira:

1 – Alagoas 

É por lá que fica o Quilombo do Palmares, que conta uma das mais importantes histórias de resistência negra brasileira em que milhares de pessoas negras conseguiram fugir da escravização sob a liderança de Zumbi dos Palmares. Localizado na Serra da Barriga, o quilombo foi reconhecido como parque nacional e abriga comunidades quilombolas, que permaneceram com seu iroko, local de rituais religiosos intacto durante os séculos. Palmares fica a 80 quilômetros de Maceió, conhecida por suas praias belíssimas e mercado popular repleto de traços da cultura afro-brasileira. Na gastronomia é possível provar delícias da “Cozinha Quilombola” e os doces das “Boleiras do Riacho Doce”. Em Maceió podemos conhecer de perto a história da “Quebra de Xangô”, quando terreiros foram perseguidos e destruídos e seus itens religiosos foram levados para delegacias. As peças estão expostas no Instituto Histórico e Religioso de Alagoas. É um mosaico cultural surpreendente a um preço acessível para o turista brasileiro. Vale subir a serra com a Anajô e conhecer Maceió por meio da Andança Negra realizada pela Alagoas Cultural. Há pacotes saindo de São Paulo e do Rio na Diaspora.Black.

2 – Salvador

Meca negra”: Um lugar de preservação da cultura da diáspora africana. A capital baiana tem em seus blocos afros, no Forte da Capoeira, no Pelourinho e nas casas de candomblé mostras de que soube preservar e ressignificar as tradições que vieram da África. Para quem pensa que a cidade é só praia e carnaval: vale a visita às sedes do Ilê Ayiê e do Olodum; um mergulho na Ilha de Maré e na Praia da Gamboa, no Solar do Unhão, além de uma visita ao Bairro da Ribeira, numa “segunda gorda”. Entre os lugares obrigatórios que fogem desse circuito está o Museu Afro Brasileiro, no Pelourinho, um passeio de pedalinho pelo Dique do Tororó, onde há esculturas dos orixás, e uma visita ao Acervo da Laje, museu que abriga obras de arte do Subúrbio Ferroviário. Em novembro de 2020, a cidade deve abrigar o Afropunk, maior festival de cultura negra do mundo, com edições em Atlanta, Nova York, Johanesburgo, Paris e Londres. A cidade exala música, cultura e ancestralidade.

3 – África do Sul

Um país vibrante e multicultural, que preserva a cultura de suas tribos, tem onze línguas oficiais e um povo acolhedor. Também é um dos melhores lugares para fazer safáris por parques nacionais em que os bichos vivem livremente É possível conhecer de perto a história de Nelson Mandela e da luta pelo fim do apartheid: em Johanesburgo, há a casa de Mandela, no bairro de Soweto, o Museu do Apartheid e a prisão Constitutional Hill. Na Cidade do Cabo, há a prisão em Robben Island. Mas o líder está em todos os lugares: nas notas de dinheiro, em nomes de rua, em estátuas e uma praça com seu nome, em Johanesburgo. A conversão do real para o rand faz com que o país se torne barato para os brasileiros. Na gastronomia, destaque para o braai (churrasco), as carnes de caça e de pesca, pudim de malva, o chá de rooibos e os famosos vinhos sul-africanos. A Cidade do Cabo é um cenário envolto de mar e montanha, em que é possível ver a Table Mountain, a Montanha dos 12 apóstolos e o Oceano Atlântico. A visita às vinícolas e o Jardim Botânico são boas pedidas para casais em lua de mel. Há ainda atividades de aventura, incluindo trilhas e saltos de parapente ou paraquedas até programas culturais nos museus de arte e de história. Mais aqui. A Go Diaspora organiza viagens de intercâmbio e para o Afropunk.

4 – Vitória

A população negra de Vitória chega aos 51% (soma das pessoas que se declaram de cor preta ou parda). Mas quando se anda nas ruas e se pergunta sobre referências da cultura e história negra, a resposta é a mesma de outras cidades brasileiras. “Tem pouco”, “muita coisa foi apagada”, “aqui isso não existe”. Mas um olhar mais apurado permite entender que a capital do Espírito Santo tem uma história rica e viva da presença dos negros. Um dos lugares emblemáticos é a Escadaria Maria Ortiz, no centro histórico de Vitória, que era chamada de Ladeira do Pelourinho, local onde pessoas escravizadas eram torturadas quando cometiam atos considerados criminosos por seus senhores. Entre os lugares imperdíveis estão: Museu Capixaba do Negro (Mucane), Bar da Zilda (reúne apresentações de samba, cerveja gelada e gente bonita); Paneleiras de Goiabeiras (Ocupado por muitas mulheres negras, o galpão dá a possibilidade de ver de perto a fabricação artesanal das panelas de barro); Igreja São José do Queimado (Fica em Serra, cidade da Grande Vitória e, apesar de estar em ruínas é um local histórico para os negros da região); Igreja Nossa Senhora do Rosário e Museu São Benedito do Rosário (erguida em dois anos pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi inaugurada em 1765). Lei mais aqui. 

5 – Gana

Depois de estabelecer 2019 como o “ano do retorno”, em que convidava os negros da diáspora a ir para o país do oeste africano, visitar Gana se tornou ainda mais urgente. Conhecido por suas praias desertas, natureza exuberante, valorização da cultura tradicional e povo receptivo. Accra, a capital, é uma cidade vibrante e cheia de história. Destaque para o Castelo Osu, o Parque Memorial Kwame Nkrumah, os mercados de artes e artesanato. Os ganeses adoram festa e dançar e os tambores tradicionais fazem parte da cultura local. Já o Parque Nacional com Mata Nativa lembra as histórias do mercado negreiro que tirou milhares de pessoas do país para trabalhar de maneira forçada em outros continentes.  Os tecidos de Wax com pinturas cheias de grafismos têm muitas das suas fábricas em Gana. A Batik, produção do tecido Wax, é detalhada em visitas em que os turistas podem fabricar sua própria peça. A Brafrika Viagem está com pacote para o país em junho.

6 – Campo Grande

Apesar de Campo Grande receber a alcunha de “cidade morena” por conta da cor vermelha da terra e da maior parte das pessoas não se reconhecer como negras nem indígena há forte presença de ambos os povos. A 1 hora da cidade há um quilombo chamado Furnas do Dionísio, que abriga cachoeira, restaurante, casa de farinha, trilhas e um povo receptivo. É um passeio imperdível para quem gosta de natureza e de valorizar a cultura e história de povos tradicionais. O local recebe esse nome por ficar entre montanhas e ter sido fundado pelo escravo liberto Dionísio Antônio Vieira, um mineiro que chegou à região por volta de 1890. Já a comunidade negra Tia Eva fica dentro da cidade e existe desde o fim do século XIX. A maior parte dos moradores são descendentes de Eva Maria de Jesus, escrava que nasceu em Minas Gerais e decidiu ir para a região. Ela sabia ler e escrever e se tornou uma referência na comunidade. Devota de São Benedito, Tia Eva fez uma promessa ao padroeiro para que curasse uma ferida que tinha na perna. Com isso, construiu em 1910 uma igreja de pau a pique e depois de alvenaria. Ela renovou a promessa: organizaria uma festa para o santo todos os anos. Uma das histórias orais contadas pelos descendentes diz que Eva teria chegado à região primeiro que o mineiro José Antônio Pereira de Souza, considerado fundador da cidade. Há ainda aldeias indígenas urbanas como a Marçal de Souza e Água Bonita, que comercializam artesanato, além comércio de frutas em frente ao Mercado Municipal. O Museu do Índio que fica no Parque das Nações Indígenas é um dos mais representativos do país. 

7 – Egito

Visitar as Pirâmides de Ghysa que ficam no entorno da cidade do Cairo é algo único. Estar em construções que datam de mais de 4 mil anos faz você se sentir parte da história. Vale ir com guia, passar o dia todo e comprar o bilhete que dá acesso ao interior das pirâmides – menos para os claustrofóbicos. Apesar de muitas das peças do Egito estarem em museus europeus, o Museu do Cairo é rico e interessante. É possível ainda navegar pelo Rio Nilo, que corta a cidade. Em Luxor há mais pirâmides e Alexandria é conhecida por suas construções antigas e um farol imponente. Em todo país, vale negociar os preços. Poucas pessoas falam inglês, mas o povo é bastante acolhedor. Após a primavera árabe, o turismo caiu, mas volta a crescer devagarinho, afinal, o Egito é um destino que nunca fica ultrapassado.

8- Nova York: Harlem e Brooklyn

Desde a década de 1920, o Harlem é considerado um bairro rico em cultura e história afro-americana: um verdadeiro celeiro de movimentos da moda, arte e literatura que inspiraram e se renovam até os dias de hoje. Andar pelo Harlem é ter a sensação de estar em uma vizinhança real e pulsante. As pessoas são sociáveis, por isso, não se assuste ao receber elogios por estar usando um look incrível. Eles amam moda por lá e não vão titubear em elogiar seu estilo. Então a dica é retribuir e elogiar o look de alguém quando achar pertinente: é um exercício maravilhoso!  Já o Brooklyn é um bairro de bairros – são mais de 30 regiões diferentes, cada qual com sua singularidade. Tal qual matrioskas, aquelas bonequinhas russas que se encaixam umas dentro das outras, cada vez que avançamos num novo espaço do Brooklyn descobrimos outro ainda mais lindo e atraente. Cada região possui seu charme próprio, suas surpresas e sua arquitetura, tão diversa quanto as pessoas que a habitam. Essa é a grande sacada do bairro: pessoas diferentes compondo diversos cenários em uma área que funciona, também, enquanto unidade. It’s Brooklyn, bitch, e todo mundo vai entender.

9 – São Paulo

A antropóloga norte-americana Sheila Walker considera o Museu Afro Brasil, em São Paulo, o melhor sobre diáspora no mundo, sendo mais artístico do que o Museu Nacional da História e da Cultura Africana-Americana, inaugurado por Barack Obama em Washington. Ela ressalta uma exposição que viu no Museu Afro Brasil que dá ênfase cultural sobre a tecnologia que os africanos trouxeram, de trabalhar o ferro, o trabalho de ouro, em Ouro Preto. Já a cantora Xênia França indica que todas as pessoas que passam por São Paulo devem ir pelo menos uma vez ao centro cultural e quilombo urbano Aparelha Luzia. “São Paulo é uma cidade muito dura. Muitas vezes as pessoas ficam perdidas, procurando os negros da cidade. Em Salvador, é fácil de achar: os negros estão na rua, nos pontos turísticos como o Pelourinho, nos terreiros, no Ilê Aiyê. Já São Paulo pode passar a ideia de que é destituída de negritude, de identidade negra. Mas, hoje, o Aparelha Luzia consegue aglutinar várias tribos, de diversas idades”, reforça a baiana radicada na capital paulista. Xênia lembra que os artistas negros que tocam na cidade acabam fazendo o after party no quilombo urbano criado pela ativista e deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL/SP). Há ainda diversos restaurantes africanos, escolas de samba, rodas de samba e a Caminhada São Paulo Negra, organizada pela Black Bird Viagem que desvenda histórias e personagens do centro da cidade.

10 – Paris

A cantora e apresentadora Karol Conka utiliza suas letras de músicas e entrevistas para enaltecer a beleza e orgulho de ser mulher, de ser negra. O Guia Negro fez uma entrevista com ela e perguntou: qual lugar de cultura ou história negra você acha que todos nós deveríamos conhecer? A resposta é internacional: Château D’Eau, um bairro em que há muitos negros em Paris. “O orgulho negro das pessoas de lá é diferente do orgulho negro dos brasileiros. Lá, você percebe que tem um quê a mais. A maneira como eles se comportam, se vestem. Eles são pretos, pretos. Aqui, temos a mistura, a miscigenação”, afirma. Conka diz que quando foi a Paris teve um choque, pois pensava que na França ia ver muitos brancos. “Mas tem muitos negros, tem lugares só com negros. Então, você se sente mais negro quando vai para um lugar como esse. Você vê os pretos e as pretas lindas”, conta. Karol é do tipo risonha, espevitava e tentava fazer amizade com as pessoas do bairro. “Eu passava e elogiava ‘Ai, que lindas!’ e elas bem sérias, pensando ‘quem é você?’. Mas tudo é lindo, o orgulho deles é lindo”, considera. O walking tour Le Paris Noir mostra a Paris negra. 

11 – Ilha de Goré

Visitar a pequena Ilha de Gorée, no Senegal, pode significar uma viagem no tempo e rememorar feridas ainda abertas na humanidade da época da escravização, em que homens e mulheres eram trazidos forçadamente da África para se tornarem mercadorias nas Américas. Foi essa a sensação que o rapper Rincon Sapiência teve ao visitar o lugar. “É algo histórico e chocante. Você identifica mesmo que vagamente o que foi esse processo e é algo que te faz chorar. Eu, particularmente, chorei muito”, conta. A ilha localizada numa das pontas do continente africano era estratégica para a rota dos escravizados que partiam dali. “Tinha um lugar aberto, onde ficavam os escravos, as crianças, então é impossível você não imaginar a situação entrando nesses cômodos. É dramático, mas acho que vale a pena para entender como foi a história”, considera. É possível chegar na ilha a partir de Dacar, a capital do Senegal, e visitar a Maison des Eclaves, a casa dos escravos, que rememora o período colonial.

12 – Piracicaba

A rota negra que Piracicaba, a cerca de 150 quilômetros de São Paulo, acaba de ganhar ressalta a importância da história da população negra na cidade. O tour percorre oito pontos, ressignificando territórios negros históricos, que foram espaços e lugares de resistência utilizados para torturas, moradias, exercícios de pessoas escravizadas e que nos dias atuais têm outros significados. Os personagens como o Dr. Preto, André Ferreira Santos (1881-1942), que atendeu inúmeros pacientes da cidade na primeira metade do século 20, também são ressaltados, assim como os patrimônios imateriais da cidade ligados à cultura negra, como é o caso do batuque de umbigada e do samba de lenço. A cidade de cerca de 400 mil habitantes possui 40% da população se declarando de cor preta ou parda. Entre os pontos resgatados no tour, está o Pelourinho, um poste onde os escravizados eram torturados e que indicava a emancipação política, o que ocorreu em 1822, quando Piracicaba passou ao status de vila. O local onde era o Pelourinho recebe atualmente batalhas de MCs de rap. Outro ponto cultural é a Casa do Hip Hop, que funciona no Centro Cultural da Paulicéia, que promove atividades comunitárias e ações na periferia de Piracicaba. A Aua Turismo organiza a Rota Negra pela cidade.

*Guilherme Soares Dias

Jornalista, empreendedor e viajante. Produz conteúdo para diferentes veículos de mídia. É sócio da Black Bird Viagem, plataforma de turismo e representatividade e também autor do livro “Dias pela Estrada”

*Luciana Paulino

Relações Públicas com especialização em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro – Portugal. Atua como consultora de comunicação, produtora de conteúdo e sócia da Black Bird, além de cursar mestrado em empreendedorismo social na Universidade do Sul da Califórnia.

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