COP30
Dois Dedos de Prosa com Liszt Vieira
O sociólogo afirma não ter grandes expectativas de reverter o resultado insuficiente das conferências anteriores
 
         
        O sociólogo e professor Liszt Vieira conhece como poucos o desenrolar das negociações sobre o combate às mudanças climáticas. Ele foi coordenador do Fórum Internacional de ONGs na Conferência Rio-92, secretário estadual de Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 2002, e presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, órgão do Ministério do Meio Ambiente, por dez anos nos governos de Lula e Dilma Rousseff.
Em conversa com CartaCapital, o experiente ambientalista fala sobre o que espera da COP30. Confira a seguir:
Qual a sua expectativa em relação à COP30?
Não há muita expectativa de reverter o resultado das COPs anteriores, que ficou muito aquém do necessário para enfrentar as mudanças climáticas e o colapso da nossa civilização. Colapso que, segundo os cientistas, já é visível no horizonte. Isso se deve em parte à forte presença de lobistas do setor de combustíveis fósseis, principal responsável pela crise climática. A COP29 contou com mais de 1,7 mil representantes do lobby fóssil, número superior às delegações de países altamente vulneráveis. Ao mesmo tempo, o agronegócio, especialmente no Brasil, evita reconhecer o papel da agropecuária no desmatamento, principal contribuição brasileira para a emissão de gases de efeito estufa.
O processo de discussão nas COPs está comprometido?
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que não será alcançada a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5ºC ou mesmo abaixo de 2ºC. A questão do financiamento climático é outro grande problema. A COP29 aprovou 300 bilhões de dólares anuais, quantia muito inferior ao 1,3 trilhão de dólares estimado pela ONU como necessário para a redução de emissões e a adaptação aos impactos do clima.
A questão logística compromete a representatividade da COP30?
Se realmente houver ausência ou redução nas delegações dos países de menor renda, por razões de falta ou preço abusivo de alojamento, isso reforçaria o domínio dos interesses das grandes potências e corporações, comprometendo a legitimidade da COP30.
O que podemos esperar da Conferência em termos de resultados positivos?
O atraso generalizado na entrega das novas NDCs agrava a crise. Até meados de outubro, apenas 62 países haviam atualizado suas metas, representando 30% das emissões globais. O desinteresse de potências como EUA, União Europeia, Rússia, Índia e Japão fragiliza o esforço coletivo. Como as decisões da ONU são por consenso, alguns avanços teremos, mas o sucesso ou o fracasso da COP 30 vai ser medido pelas decisões sobre a redução de combustíveis fósseis, desmatamento e financiamento.
São válidas as tentativas de criação, por parte do governo brasileiro e da presidência da COP30, de grupos de discussão junto ao BRICS ou aos países da América Latina e do Caribe?
Qualquer tentativa para fazer cumprir as decisões do Acordo de Paris será bem-vinda, mas é bom não esquecer que o BRICS abriga grandes países poluidores, como China, Rússia e Índia.
Existe um caminho possível fora do espaço oficial da COP para fazer avançar o Acordo de Paris?
Se a maioria dos países barra avanços concretos para a redução do aquecimento global e muitas vezes nem cumprem as decisões das COPs que assinaram, é muito difícil fazer avançar o Acordo de Paris fora do espaço oficial da ONU. A não ser em casos isolados de algum país ou empresa. Fora disso, há o papel importante da sociedade civil organizada na Cúpula dos Povos.
Com a licença para testes de exploração de petróleo na Margem Equatorial às vésperas da COP30, o Brasil recua em sua posição de liderança climática?
O Brasil não tem mais condições de ser liderança ambiental global. O Congresso Nacional aprovou o PL da Devastação, que destruiu o sistema de licenciamento ambiental, e o Executivo aprovou a exploração de petróleo na Margem Equatorial do Amazonas. É preciso dizer mais?
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