COP30

Dois Dedos de Prosa com Liszt Vieira

O sociólogo afirma não ter grandes expectativas de reverter o resultado insuficiente das conferências anteriores

Dois Dedos de Prosa com Liszt Vieira
Dois Dedos de Prosa com Liszt Vieira
Logotipo da COP30 no Aeroporto de Belém (PA), em 25 de outubro de 2025. Foto: Thomas Morfin/AFP
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O sociólogo e professor Liszt Vieira conhece como poucos o desenrolar das negociações sobre o combate às mudanças climáticas. Ele foi coordenador do Fórum Internacional de ONGs na Conferência Rio-92, secretário estadual de Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 2002, e presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, órgão do Ministério do Meio Ambiente, por dez anos nos governos de Lula e Dilma Rousseff.

Em conversa com CartaCapital, o experiente ambientalista fala sobre o que espera da COP30. Confira a seguir:

Qual a sua expectativa em relação à COP30?

Não há muita expectativa de reverter o resultado das COPs anteriores, que ficou muito aquém do necessário para enfrentar as mudanças climáticas e o colapso da nossa civilização. Colapso que, segundo os cientistas, já é visível no horizonte. Isso se deve em parte à forte presença de lobistas do setor de combustíveis fósseis, principal responsável pela crise climática. A COP29 contou com mais de 1,7 mil representantes do lobby fóssil, número superior às delegações de países altamente vulneráveis. Ao mesmo tempo, o agronegócio, especialmente no Brasil, evita reconhecer o papel da agropecuária no desmatamento, principal contribuição brasileira para a emissão de gases de efeito estufa.

O processo de discussão nas COPs está comprometido?

O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que não será alcançada a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5ºC ou mesmo abaixo de 2ºC. A questão do financiamento climático é outro grande problema. A COP29 aprovou 300 bilhões de dólares anuais, quantia muito inferior ao 1,3 trilhão de dólares estimado pela ONU como necessário para a redução de emissões e a adaptação aos impactos do clima.

A questão logística compromete a representatividade da COP30?

Se realmente houver ausência ou redução nas delegações dos países de menor renda, por razões de falta ou preço abusivo de alojamento, isso reforçaria o domínio dos interesses das grandes potências e corporações, comprometendo a legitimidade da COP30.

O que podemos esperar da Conferência em termos de resultados positivos?

O atraso generalizado na entrega das novas NDCs agrava a crise. Até meados de outubro, apenas 62 países haviam atualizado suas metas, representando 30% das emissões globais. O desinteresse de potências como EUA, União Europeia, Rússia, Índia e Japão fragiliza o esforço coletivo. Como as decisões da ONU são por consenso, alguns avanços teremos, mas o sucesso ou o fracasso da COP 30 vai ser medido pelas decisões sobre a redução de combustíveis fósseis, desmatamento e financiamento.

São válidas as tentativas de criação, por parte do governo brasileiro e da presidência da COP30, de grupos de discussão junto ao BRICS ou aos países da América Latina e do Caribe?

Qualquer tentativa para fazer cumprir as decisões do Acordo de Paris será bem-vinda, mas é bom não esquecer que o BRICS abriga grandes países poluidores, como China, Rússia e Índia.

Existe um caminho possível fora do espaço oficial da COP para fazer avançar o Acordo de Paris?

Se a maioria dos países barra avanços concretos para a redução do aquecimento global e muitas vezes nem cumprem as decisões das COPs que assinaram, é muito difícil fazer avançar o Acordo de Paris fora do espaço oficial da ONU. A não ser em casos isolados de algum país ou empresa. Fora disso, há o papel importante da sociedade civil organizada na Cúpula dos Povos.

Com a licença para testes de exploração de petróleo na Margem Equatorial às vésperas da COP30, o Brasil recua em sua posição de liderança climática?

O Brasil não tem mais condições de ser liderança ambiental global. O Congresso Nacional aprovou o PL da Devastação, que destruiu o sistema de licenciamento ambiental, e o Executivo aprovou a exploração de petróleo na Margem Equatorial do Amazonas. É preciso dizer mais?

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